Há uma situação rolando que exige que a imprensa faça uma autópsia e a explique direitinho para os leitores. Precisamos saber se as vistas grossas do governador Ibaneis Rocha Barros ao quebra-quebra praticado por bolsonaristas (na segunda-feira, 12/12) em Brasília (DF) é um cartão de apresentação ao futuro presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por parte dos 13 governadores eleitos com apoio do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Ou se tratou de um erro de avaliação dos responsáveis pela segurança pública. Porque, apesar de Brasília ser uma das cidades mais vigiadas por câmeras de segurança no país, nenhum envolvido no quebra-quebra foi preso. Entre os governadores eleitos estão os três dos maiores colégios eleitorais do Brasil: Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais) e Cláudio Castro (Rio de Janeiro). Se esses governadores permitirem e apoiarem a organização de células bolsonaristas golpistas em seus estados correm o risco de serem atacados pelos órgãos públicos federais, como universidades, Polícia Federal (PF) e outros representantes da União. É sobre isso que vamos conversar.
Esses governadores fazem parte das lideranças do círculo íntimo de Bolsonaro. E a maioria deles nunca se importou com os rompantes autoritários do presidente. Desde que não atrapalhassem a sua eleição. Correm um risco calculado baseado na certeza que têm de que Bolsonaro é um blefador. Ele força barra em uma situação até o limite, como foi em uma das suas tentativas de golpe, em setembro, no Dia da Independência. Reuniu milhares de pessoas pelo Brasil e depois de dizer um monte de asneiras, recuou – há matérias na internet. Recuou e salvou o seu mandato. Mas deixou os apoiadores agarrados no pincel. Não foi a primeira vez. Houve outras em que, inclusive, bolsonaristas foram presos e agora respondem a processos na Justiça Federal. E foi no meio dessas pessoas abandonadas pelo seu líder à beira das estradas que se estruturou um grupo comprometido a ir até as últimas consequências. Foram eles que, no dia seguinte à vitória de Lula no segundo turno das eleições presidenciais, trancaram as estradas pelo país. São eles os esteios dos acampamentos montados na frente dos quartéis, pedindo um golpe militar. O quebra-quebra em Brasília foi promovido pelos bolsonaristas acampados na frente do quartel-general do Exército (QG). Um dos líderes, o cacique José Acácio Serene Xavantes, de Poxoréu (MT), teve a prisão temporária decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Foi acusado de estar reunindo pessoas para impedir a posse de Lula, e a prisão foi realizada pela PF. Os bolsonaristas atacaram a sede da PF. Não tiveram sucesso e acabaram fazendo uma imensa arruaça na cidade.
Os comentaristas políticos dos jornais os chamam de bolsonaristas radicalizados. Eu os defino como “gente que não tem nada a perder”. Estão em busca de cargos públicos ou simplesmente para ganhar uma remuneração. O presidente concorreu à reeleição e perdeu. E apostou na fake news de que Lula não iria assumir porque houve fraude nas urnas eletrônicas. Eles viram nisso uma oportunidade de continuar ganhando dinheiro e foram para a briga para manter os seus empregos. Não é por outro motivo que o ministro Alexandre de Moraes mandou a PF rastrear os caminhos dos financiadores dos acampamentos na frente dos quartéis. Tudo isso que escrevi não é opinião ou relato de alguma pesquisa acadêmica. São fatos que temos escrito nos noticiários e fazem parte de investigações da PF. Se os governadores optarem em apoiar esses grupos vão entrar em uma fria. Onde é real a possibilidade de um impeachment. Porque ninguém controla esses grupos. Não é por outro motivo que os jornalistas estão dizendo que o bolsonarismo cresceu mais que Bolsonaro. No início do ano o presidente vai perder o emprego. Se os governadores eleitos apoiados por Bolsonaro vão apoiar ou reprimir esses grupos só saberemos com o tempo.
Ainda tem mais uma bola picando na área de um dos governadores eleitos por Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, de São Paulo. Trata-se do seguinte. O Instituto Butantan, fundado em 1901, é um centro de pesquisas respeitado ao redor do mundo pelo seu trabalho, incluindo vacinas. Como se sabe, Bolsonaro faz parte de um movimento internacional contra as vacinas. Durante a pandemia de Covid-19, o então governador de São Paulo João Doria fez um acordo com a empresa chinesa Sinovac Biotech e produziu a vacina CoronaVac, que salvou a vida de milhares de brasileiros. Na ocasião, Doria encurralou Bolsonaro em um canto e enfiou-lhe goela abaixo a compra da vacina. Sempre que pode, o presidente atira uma pedra em Doria e fala mal da vacina. Com a eleição de seu protegido para governador de São Paulo, Bolsonaro vai ter a chance de ir à desforra contra o Butantan. Se decidir ir à desforra, o governador permitirá? Ele já nomeou o médico infectologista Esper Kallás para o comando do instituto. Kallás é um profissional respeitado e reagiria a uma ação de retaliação contra o Butantan. Se isso acontecer, de que lado ficará o governador? Digo uma coisa. Durante os quatro anos do seu mandato, nós jornalistas fomos testemunhas de que todos aqueles que apostaram que podiam usufruir do prestígio de Bolsonaro e dominá-lo para que não fizesse bobagens quebraram a cara. A lista é longa e diversificada, incluindo generais, cientistas, empresários, parlamentares e oportunistas de vários quilates. Portanto, se os governadores e os parlamentares (deputados e senadores) acreditam que poderão dar as cartas para Bolsonaro quando ele perder o emprego vão cometer um erro. Como se dizia nas redações nos tempos das barulhentas máquinas de escrever e das nuvens de fumaça dos cigarros: Bolsonaro e os bolsonaristas radicalizados são duas granadas sem pino. Podem apostar.