A política e o crime organizado no Rio de Janeiro sempre andaram muito próximos. E uma das maneiras de nós repórteres termos segurança nas informações que publicamos sobre o caso da “rachadinha” é explicar para o nosso leitor o que aconteceu nas organizações criminosas cariocas nos últimos 36 anos, tempo em que são amigos e parceiros políticos o hoje presidente da República, o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (sem partido), e o subtenente aposentado da Polícia Militar do Rio Fabrício Queiroz, 54 anos. Conheceram-se em 1984. Bolsonaro era tenente da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e Queiroz, soldado. Em 1988, o tenente foi para reserva como capitão e se elegeu vereador do Rio. No ano seguinte, Queiroz entrou na Polícia Militar. Nos últimos anos, até 2018, Queiroz ocupou o cargo de chefe do gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que se elegeu senador pelo Rio. No gabinete, liderou um esquema que exigia parte dos salários dos funcionários, conhecido como “rachadinha”. Na sexta-feira (18/06), a Polícia Civil de São Paulo e o Ministério Público, a pedido dos seus colegas do Rio de Janeiro, prenderam Queiroz preventivamente. Ele estava em uma casa em Atibaia (SP), onde vivia havia quase um ano e que pertence a Frederick Wasseg, que advoga em vários processos para Bolsonaro – há um vasto material disponível na internet.
A história que estamos contando sobre a “rachadinha” é a investigada pela Polícia e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Os danos políticos que ela vai causar para o senador e seu pai saberemos nas próximas semanas. Agora temos que fazer o nosso trabalho de repórter descobrindo o que mais existiu na convivência de Queiroz com Bolsonaro. Esse tipo de coisa raramente se encontra em documentos oficiais. Portanto, é importante contextualizar, explicando o que aconteceu no crime organizado do Rio de 1984 até 2020. A década de 80 foi um dos períodos mais ricos da política do Brasil. Em 1985, acabou a ditadura militar que havia se alojado no poder com o golpe das Forças Armadas em 1964. No ano que Bolsonaro se elegeu vereador, 1988, acontecia uma disputa entre vários grupos sociais, profissionais, políticos e econômicos para colocarem suas posições na Constituição que viria a ser publicada em outubro.
Em 1988, o submundo do Rio vivia o auge do crime organizado comandado pelos banqueiros do jogo do bicho. O período é muito bem descrito no livro Os Porões da Contravenção – Jogo do Bicho e a Ditadura Militar: A história da aliança que profissionalizou o crime organizado, escrito pelos jornalistas Chico Otávio e Aloy Jupiara. Os bicheiros cariocas tinham nas mãos uma máquina formidável de fazer votos, que eram as escolas de samba. Financiavam os desfiles de Carnaval e sua palavra era uma ordem. A Polícia Civil, a Militar, vereadores, deputados e outras autoridades do Rio eram corrompidos pelos bicheiros, que mantinham centenas de pontos de apostas espalhados pela cidade, principalmente nas favelas. Os policiais que não aceitavam dinheiro da contravenção ficavam quietos no seu canto para sobreviver. Sei disso porque entrevistei vários deles por conta de uma reportagem que escrevi sobre os bicheiros gaúchos. Foi nessa polícia que Queiroz ingressou em 1989. Ele entrou na folha de pagamento de propina dos bicheiros? Não sabemos. Mas é importante descobrir para dar consistência aos nossos conteúdos. E Bolsonaro, na sua campanha para vereador, empunhou a bandeira contra a corrupção, não tocou no assunto ou teve ajuda dos banqueiros do jogo do bicho? Não sabemos. Ou se algum colega sabe, ainda não publicou.
Em 1993, caiu a casa dos 14 maiores banqueiros do jogo do bicho do Rio. Ao depor em uma audiência da juíza Denise Frossard, comportaram-se como era de costume. Acompanhados de seus seguranças e discutindo negócios enquanto a magistrada tocava a audiência. Frossard se irritou com a afronta ao seu tribunal e mandou os até então intocáveis bicheiros cariocas para a cadeia. Lembro-me que um ano antes, em 1992, havia publicado uma longa matéria investigativa chamada “Os senhores do jogo do bicho”. Algumas semanas depois da prisão dos bicheiros, entrevistei a juíza em Santana do Livramento, na fronteira gaúcha com o Uruguai, onde ela participava de um evento da Justiça do Estado. Aqui temos que observar o seguinte: em 1993 o Brasil caminhava a passos largos para a sua normalidade democrática. Em 1989, foi eleito pelo voto direto o presidente Fernando Collor de Mello, com o vice Itamar Franco. Em 1992, Collor renunciou na tentativa de escapar de uma ação de impeachment e assumiu o vice. Foi o primeiro teste da democracia brasileira. E ela se saiu muito bem. Itamar acabou com a hiperinflação deixada pelo regime militar e lançou as bases de um período de grande desenvolvimento do país num ambiente em que as instituições começavam a mostrar a sua musculatura. Como foi o caso da juíza Denise Frossard. Bolsonaro havia sido eleito deputado federal em 1991. Na ocasião que a juíza prendeu os bicheiros, ele fez algum discurso na Câmara? Não me lembro de ter lido algo a respeito. Mas é fácil saber, é só pesquisar nos arquivos da Câmara dos Deputados.
A prisão dos 14 bicheiros marcou o início da decadência deles no crime organizado. Dali para frente foram rareando nas manchetes os nomes de Castor de Andrade, Capitão Guimarães, Antônio Petrus Kalil, o Turcão, e outros. No seu lugar começaram surgir nomes de traficantes: Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP, Elias Maluco e outros líderes do Comando Vermelho (CV), facção criminosa nascida entre os presos do Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis. O CV ganhou espaço com a queda dos bicheiros. O ritmo do samba deu lugar ao som cadenciado das metralhadoras e a droga substituiu a cerveja nos botecos das favelas. Os traficantes assumiram a corrupção da polícia e encurralaram a população com suas demonstrações de violência – há um farto material na internet. Seu poder começou a decair em 2000, com o surgimento das milícias, organizações criminosas formadas por policiais militares que montaram uma máquina de ganhar dinheiro entre os favelados, e de arrecadar votos para os seus candidatos nas disputas eleitorais. Em 2008, o então deputado estadual do Rio Marcelo Freixo presidiu a CPI das Milícias e pediu o indiciamento de 225 pessoas – políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis. Há dois filmes que contam essa história: Tropa de Elite, sobre o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope).
Na medida em que as milícias foram se estruturando nas favelas cariocas a ação de Queiroz se intensificou e aumentou o flerte da família Bolsonaro com os milicianos, como no caso do ex-capitão do Bope Adriano Nóbrega, morto pela polícia no interior da Bahia – há um vasto material na internet. Mais ainda. No condomínio onde morava o presidente Bolsonaro no Rio também morava o ex-policial militar e miliciano Ronnie Lessa, que está preso acusado de ter sido o atirador que executou em março de 2018 a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. Quem se estabeleceu primeiro no condomínio: Bolsonaro ou Lessa? Parece ser um preciosismo essa informação. Mas não é. Ela é importante na matéria para não deixar dúvidas na mente do leitor. Queiroz sabe essa história. Outro detalhe. Queiroz foi preso em uma casa pertencente ao advogado Wasse, como citei lá no início do texto. O advogado é um personagem que merece a nossa atenção especial principalmente se existe ou não uma ligação entre ele e a seita Lineamento Universal Superior (LUS), como sede na Argentina. Em tempos de coronavírus, eu lembro aos meus colegas repórteres que a vacina para não se escrever bobagens é o conhecimento da história. Podem anotar.
ja imaginou, carrear tantas ilusões e pensamentos, pra ajudar o nosso presidente Bomsonaro e não fazer futrica infantil de incauto, que ja foi ao ar e perdeu o acento, e fechar com Addade pra 22….. aviso esperto….bomsonaro ja esta eleito pra 22-38. ja tem mais de 70%… okai
Airton, eu sou um velho repórter, 69 anos, 40 e tantos de profissão, sendo que 30 e lá vai pedrada, passei nas redações dos jornais. Dou muitas palestras para jovens estudantes de jornalismos e repórteres pelas redações do interior do Brasil. Sempre falo uma coisa: o repórter aponta os furos do governo e lança luzes nos cantos escuros de acontecimentos de interesse do leitor. Tenho a honra de ter como leitor. Baita abraço.