Quem “esquenta as costas” do mandante do incêndio dos helicópteros do Ibama?

O incêndio dos helicópteros do Ibama pode ser o fio da meada para descobrir quem e quem no mercado ilegal do ouro. Foto: Reprodução

Agora que baixou a poeira chegou a hora dos repórteres começarem a esmiuçar o caso dos garimpeiros que na noite de 24 de janeiro, a mando do empresário Aparecido Naves Junior, 35 anos, colocaram fogo em dois helicópteros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no Aeroclube de Manaus (AM). Os criminosos deixaram um rastro de pistas que facilitou o trabalho da Polícia Federal (PF) em identificá-los e prendê-los. Foram presos seis homens pela PF, sendo o último deles o empresário, na quarta-feira (02/02), em sua residência em Abadia de Goiás (GO) – todos os detalhes das prisões, como nomes e outras informações estão disponíveis na internet. Mas há algumas questões que ficaram soltas no ar. É sobre elas que vamos conversar e refletir, uma prática que se gostava de fazer nas redações quando havia abundância de repórteres e editores para tocar as pautas sem precisar sobrecarregar alguém de trabalho, como ocorre nos dias atuais.

Essas conversas geralmente começavam em um canto da redação, se estendiam para a mesa de um boteco e no final resultavam em uma reportagem apontando o futuro do caso e, muitas vezes, se transformavam também em um livro. Não vamos conversar sobre ideias. Mas sobre fatos baseados no que já publicamos no presente e pelo conhecimento que tenho da região amazônica, adquirido nas minhas andanças por lá, fazendo matérias. A primeira ponta solta são as ligações do mandante do crime, o empresário Junior. Fatos conhecidos sobre ele: tem uma loja de peças de moto, a Naves Miranda Auto Peças, em Abadia de Goiás, e uma empresa que atua no setor de leilão de veículos. Tem garimpo ilegal na reserva indígena dos ianomâmis, em Roraima, na fronteira com a Venezuela. Também é apontado como dono de aeronaves que atuavam nos garimpos. A PF apurou que o empresário mandou incendiar os helicópteros em uma ação de vingança contra os agentes do Ibama que destruíram aviões dele no garimpo nas terras ianomâmis. A pergunta que ficou solta no ar: “quem esquenta as costas” do empresário Junior?

Ele acreditou na pregação do presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e do seu então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de que podia entrar nas terras indígenas e que não lhe aconteceria nada? Junior é um dono de garimpo bem-sucedido. E só é bem-sucedido nesse ramo quem segue as regras do negócio. E nesse negócio a regra mais importante é trabalhar rápido, arrancando da jazida o máximo possível de ouro no menor tempo possível. Porque assim que der rolo a corda vai arrebentar no lado do garimpeiro. É preciso estar sempre preparado para correr para o próximo garimpo. É assim que funciona, por se tratar de um investimento de alto risco. Aprendi isso fazendo matérias sobre garimpos em toda aquela região. A primeira vez que estive lá foi em 1993, quando um grupo de ianomâmis foi massacrado por garimpeiros. Desde então tenho perambulado pelos estados daquele canto do Brasil. Junior, como todos os outros donos de garimpo, se aproveitou do desmonte dos órgãos de fiscalização feito por Salles. Mas sabia que a pressão dos ambientalistas ao redor do mundo e de governos como os dos Estados Unidos forçaria Bolsonaro a mostrar trabalho para se livrar de uma retaliação internacional aos produtos do agronegócio brasileiro, importante esteio da economia nacional. Aqui é o seguinte. Lembro que em setembro de 2020 fiz o post “Indiferença oficial e os saqueadores do meio ambiente da Pátria Amada Brasil”. O fato é que o desmonte da fiscalização feita por Salles ajudou a aprofundar uma mudança que se iniciou no perfil dos garimpeiros em 2017. Até então, eram comuns e dificilmente passaram de uma notícia de pé de página nos noticiários as escaramuças entre os fiscais do Ibama e os garimpeiros. No final de outubro de 2017, na Operação Ouro Fino, agentes do Ibama, da Força Nacional, da Marinha do Brasil e técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) incendiaram e apreenderam balsas de garimpeiros no Rio Madeira, nas proximidades da cidade de Humaitá, no sul do Amazonas, próximo à divisa com Rondônia. Em represália, os garimpeiros invadiram órgãos federais em Humaitá, depredaram as instalações e colocaram fogo em equipamentos. Foi manchete em todos os noticiários nacionais e ao redor do mundo. Andei por Humaitá fazendo matéria em 1996, 2011 e 2013. Tenho boas fontes por lá.

Na época do ataque aos órgãos federais em Humaitá a novidade entre os donos dos garimpos era o interesse das facções criminosas Família do Norte (FDN), de Manaus (AM), e Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, em usar a logística deles para trazer cocaína dos países vizinhos e enviar pelos portos e aeroportos brasileiros para os mercados dos países europeus e dos Estados Unidos. Aqui é o seguinte. Os pilotos de aeronaves que trabalham nos garimpos são considerados entre os melhores do mundo para pousar, decolar e voar a poucos metros das copas das árvores com a finalidade de escapar dos radares. O desmonte da fiscalização feita por Salles facilitou a consolidação da presença da FDN e do PCC entre os donos de garimpo. E também reconduziu o Brasil a voltar a ser um importante fornecedor de ouro, diamantes e madeiras para os mercados ilegais ao redor do mundo. Posição que ocupava em 1998. Na época, fiz uma reportagem em parceria com os colegas Humberto Trezzi e Nilson Mariano chamada “Brasil e Uruguai: a fronteira do crime”. O Uruguai tinha apenas uma pequena mina de ouro e era o maior exportar da América do Sul. Como? O ouro era brasileiro.

Encaminhando o arremate da nossa conversa. Junior pertence a uma nova geração de donos de garimpos que têm os seus negócios misturados com os interesses das facções criminosas que agem na região, principalmente o PCC, que tem base nos países vizinhos. Ao mandar incendiar os helicópteros do Ibama, o empresário seguiu a cartilha da facção. Hoje, os donos de garimpos são um elo em uma longa corrente criminosa que opera ao redor do mundo nos mercados internacionais ilegais. Conheci esse pessoal em 2004, quando trabalhei no caso da morte de 29 garimpeiros pelos índios cintas-largas, na reserva Roosevelt, uma área rica em diamantes, em Espigão do Oeste (RO). Fiz uma matéria chamada “Os diamantes de sangue do Brasil”. O mandante do incêndio dos helicópteros do Ibama é o fio de uma meada que pode nos conduzir a fatos novos e interessantes. É assim que nasce uma reportagem, essência da nossa existência.

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