Há uma história que nós, repórteres, precisamos esclarecer para os nossos leitores. Afinal, podemos ou não confiar na qualidade dos combustíveis vendidos nos postos sem bandeira? Como eles conseguem vender o litro do combustível, principalmente da gasolina, bem mais barato do que os postos com bandeira? A tal ponto, que a presença deles acaba regulando o preço dos concorrentes estabelecidos nas redondezas. Esse tipo de estabelecimento vem crescendo nas últimas duas décadas no Brasil. Hoje somam 17.134, o que representa 41,1% do número total de postos de combustíveis espelhados pelo país, conforme dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), responsável pela regulamentação do setor. Hoje, com a política de reajuste dos preços dos combustíveis em tempo real das variações do mercado internacional praticada pela Petrobras, o preço do litro na bomba do posto é uma aflição diária do nosso leitor. E uma chance de tornar o nosso trabalho de informar relevante ao assinante.
Essa história começa em 1995. Na época, o governo federal desregulamentou o mercado do varejo do combustível, permitindo que os postos comprassem o produto de quem vendesse mais barato. A data coincidiu com a descoberta e a prisão de várias organizações criminosas envolvidas com adulteração de combustíveis. Mais ainda: na época, fazia parte do nosso modo de vida ver a marca de uma rede conhecida de distribuição de combustível no posto de abastecimento. A soma desses dois fatores lançou de imediato o selo de desconfiança nos sem bandeira. Eu vivi essa história. Comecei a trabalhar em redação de jornal em 1979 e, até os dias de hoje, sempre faço uma grande viagem de carro por ano em busca de histórias para contar. O perfil dessas viagens é simples: uma imensa distância para percorrer, muita gente para ser entrevistada e pouco tempo. Portanto, não posso correr o risco de ficar parado, em algum lugar na vastidão do interior do Brasil, com o carro estragado. E, depois, ver a história publicada pelo concorrente. Esse sempre foi o meu pesadelo. Lembro que, em 1995, eu e a equipe (fotografo e motorista) viajamos direto durante 60 dias, percorrendo 30 mil quilômetros no interior do país, escrevendo a história dos gaúchos que haviam colonizado as novas fronteiras agrícolas (O Brasil de Bombachas – uma série de reportagens que se transformou em um livro). Na época, começavam a surgir, aqui e ali, os postos sem bandeira. Claro, nós evitamos abastecer em sem bandeira.
Passaram-se 16 anos, em 2011 fiz outra longa viagem: foram 30 dias de estrada, percorrendo o mesmo trajeto de 1995, para contar a história dos filhos dos gaúchos que haviam povoado as fronteiras agrícolas (O Brasil de Bombachas – As Novas Fronteiras da Saga Gaúcha, que rendeu um livro, um blog diário, um programa de televisão, um de rádio e uma série de reportagens). Como sempre, muita gente para entrevistas, grandes distâncias e pouco tempo para cumprir a pauta. Portanto, não podia me dar ao luxo de ter problemas com o carro. A grande diferença entre 1995 e 2011. Em 1995, o número dos postos sem bandeira era insignificante. Em 2011, eles eram a maioria. Daí tracei a seguinte estratégia: sempre que encontrava um posto com bandeira completava o tanque o carro. Mas não escapei de precisar abastecer nos sem bandeira. Nas ocasiões em que isso aconteceu, procurei o proprietário, expliquei a minha situação e perguntei se ele garantia a qualidade do combustível. Não tive problemas.
No ano passado, um fato me chamou a atenção. Estava tomando chimarrão com uns amigos, na beira da BR-386, e veio a conversa dos postos sem bandeira. Um deles disse o seguinte: “Nós nunca desconfiamos da qualidade da gasolina dele porque ele é morador da cidade e conhecido de todos”. Daí comecei a notar que os sem bandeira que haviam prosperado eram exatamente aqueles que pertenciam a comerciantes conhecidos na comunidade. O que não deixa de ser uma espécie de garantia. Mas e a garantia oficial? Em nível nacional, é da ANP, da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal. Nos estados da União, a ANP conta com a parceria do Ministério Público Estadual e a da Polícia Civil. São muitos olhos vigiando o varejo de combustível. Mas ainda é a desconfiança do consumidor a melhor arma para manter o comércio na linha. Lembramos que os comerciantes safados existem dos dois lados: nos postos com e sem bandeira.
Em linhas gerais, é essa a situação. E cabe a nós, repórteres, separar o joio do trigo para municiar o nosso leitor de informações corretas de quem é quem no comércio varejista de combustível.