Até o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), começar a exercer o seu mandato em 2019, eu e a maioria dos colegas repórteres o descrevia como um parlamentar exótico do baixo clero. Já nos primeiros meses no cargo, descobrimos que ele é um “cara muito esperto” e dono de uma sensibilidade muito aguçada em prever os rumos da disputa política. Sabe a hora de avançar, recuar e se entrincheirar. E que ele governa para a família. Os seus aliados e parceiros de trincheira são descartáveis. O presidente sabe que não ter sido reeleito o colocou em uma situação complicada. Como vai sobreviver na selvagem arena da política? O primeiro passo rumo ao seu novo horizonte foi fingir que está jogando o jogo dos seus adversários. Demonstrando que tinha acreditado na história que venderam para ele, que era líder dos 58 milhões que votaram nele. E que precisava admitir a sua derrota para não prejudicar o seu capital político. Concorreu à reeleição e perdeu para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que fez 60 milhões de votos. A diferença entre os dois foi de 1,8%, pouco mais de 2 milhões de votos.
No final da tarde de terça-feira (02/11), depois de dar um “chá de banco “ na imprensa, Bolsonaro leu uma nota oficial curta na qual admite, nas entrelinhas, a derrota, sem citar o nome de Lula. Como disse, Bolsonaro é um “cara esperto”. Ele sabe está em uma situação complicada, por vários fatores, vou citar dois. O primeiro é que, desde 1989, quando foi eleito vereador do Rio de Janeiro, ele não ficava sem mandato. Isso significa que perdeu o foro privilegiado e que os muitos processos a que responde vão descer para a primeira instância da Justiça, onde as coisas acontecem em maior velocidade do que Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro não terá problemas para pagar os advogados para defendê-lo, com salário no fim do mês, e muito menos com um lugar onde morar, porque o presidente do seu atual partido, o Liberal (PL), Valdemar da Costa Neto, prometeu que irá financiá-lo. Se Bolsonaro vai aceitar ou não a oferta ainda não sabemos. O que já sabemos a respeito da relação dele com PL é que se trata do 10º partido na sua carreira de 30 anos de parlamentar. E aqui vou citar o segundo fator que considero importante para análise da atual situação polícia do presidente. A carreira política dele foi toda construída fora dos partidos. Isso significa que nunca teve uma máquina partidária trabalhando pelo mandato dele.
Portanto, o fato é que quando terminar o seu mandato ele estará por conta própria. E vai fazer o que sempre fez para a sobreviver na selvagem arena da disputa política. Cavar uma trincheira entre os seus três filhos parlamentares, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo, e dali administrar o seu capital político, que são os 58 milhões de votos e mais de 100 parlamentares (deputados e senadores) e governadores que ajudou a eleger. Como disse lá no começo da nossa conversa, Bolsonaro é um “cara esperto”. Tem mais de 30 décadas de vida política. Sabem essa história de legado dos 58 milhões de votos é conversa de redação de jornal. Na realidade, os seus eleitores fiéis são em número bem menor. Também sabe que aqueles que ele ajudou a eleger, a maioria vai seguir o seu destino próprio. Também sabe que os generais que o apoiaram, como o seu vice na chapa da reeleição, Braga Netto, os pastores neopentecostais e os parlamentares do Centrão, não se aproximaram dele por questões ideológicas, religiosas ou qualquer outra que não fosse pelo dinheiro. Ocupando o cargo de presidente da República, ele tinha caneta na mão e podia fazer as coisas acontecerem, como distribuir cargos na administração federal. É do jogo. Ele também sabe que a história dele ser líder da nova direita é conversa de jornalista. A realidade do presidente, assim que passar o cargo para Lula, é que para sobreviver vai precisar se manter no noticiário. Lembro que quando ele era parlamentar contava uma história exótica para os jornalistas e acabava virando manchete, incluindo jornais internacionais. Nos dias atuais, tudo que ele diz, por mais bizarro que seja, acaba virando manchete nos noticiários porque foi dito pelo presidente. Isso acaba assim que ele deixar o cargo. Claro, uns anos atrás ele estaria condenado ao ostracismo. Hoje, essa situação mudou porque existem as redes sociais. A pergunta que precisamos fazer. As redes sociais evitam que o destino de Bolsonaro seja o ostracismo?
Fato é que o presidente e os seus três filhos parlamentares, em especial Carlos, operam as redes sociais desde que elas nasceram. Influenciaram na eleição presidencial de 2018, detonaram os adversários políticos e ex-aliados distribuindo fake news. E se tornaram leitura obrigatória dos jornalistas porque era por ali que o presidente da República se comunicava. Um post sobre uma atividade do presidente era reproduzido nas redes de TV e em noticiários de alta audiência, como o Jornal Nacional, da Rede Globo. Agora, respondendo à pergunta sobre o ostracismo. Vai depender de dois fatores: o primeiro diz respeito ao desempenho do governo Lula. Se conseguir ajeitar a economia, criar os empregos e reorganizar o país, Bolsonaro pode falar o que bem entender nas redes sociais que não cola no governo. O outro fator diz respeito ao surgimento de uma nova liderança política que faça oposição ao governo Lula. Nesse caso, o atual presidente da República ficará falando sozinho. Ou seja, Bolsonaro só escapa de ir para ostracismo se o Brasil se transformar em um caos maior do que é hoje.