O craque Neymar, 32 anos, corre o risco real de, na próxima vez que jogar pela Seleção brasileira, ser xingado pelos torcedores de “financiador de estuprador”. A história é a seguinte. Ele emprestou R$ 800 mil para o ex-jogador Daniel Alves, 40 anos, pagar uma indenização por sua condenação pelo estupro de uma jovem de 23 anos, em 31 de dezembro de 2022, na boate Sutton, em Barcelona, na Espanha. O pagamento ajudou a reduzir para quatro anos e seis meses de prisão a pena que foi aplicada pelo Tribunal de Barcelona em fevereiro de 2024. Alves precisou do empréstimo por estar com os seus bens, uma fortuna avaliada em 60 milhões de euros (em torno de R$ 325 milhões), indisponíveis devido a uma disputa judicial nos tribunais do Brasil e da Espanha. Ele cumpria prisão preventiva havia 14 meses no Centro Penitenciário Brins 2, em Barcelona. Para recorrer da sentença em liberdade, a Justiça exigiu uma fiança de 1 milhão de euros (cerca de R$ 5,45 milhões). Circulou com intensidade na imprensa a informação de que Neymar emprestaria o dinheiro. Neymar da Silva Santos, pai do craque e administrador dos interesses econômicos e profissionais do jogador, publicou nas redes sociais (21/03) uma nota confirmando o empréstimo dos R$ 800 mil, mas negando que daria a Daniel Alves uma nova quantia para o pagamento da fiança. Alegou que a situação mudou depois da sentença da Justiça e reclamou que estavam tentando associar o nome do seu filho ao episódio. Na segunda-feira (25), Daniel Alves conseguiu um empréstimo bancário, pagou a fiança e foi libertado.
Trocando em miúdos a conversa do pai do craque. Ele sentiu o perigo e pulou do barco. Agora, se os torcedores vão criticar Neymar por ter emprestado os R$ 800 mil a Daniel Alves é algo que só o tempo dirá. Por que usei a expressão “só o tempo dirá”? Lembro-me que, em 2023, Alexis Stival, 60 anos, o Cuca, que assumira havia poucos dias o cargo de técnico do Corinthians, precisou se demitir, pressionado pelos torcedores, em especial as mulheres, por ter sido condenado, em 1987, pela Justiça de Suíça pelo estupro de uma garota de 13 anos. Na época, ele era jogador do Grêmio, de Porto Alegre (RS), que estava excursionando pela Europa. Cuca e outros três jogadores se envolveram no estupro. Eu já trabalhava como repórter e recordo que foi um caso muito ruidoso. Em 2023, Cuca conseguiu reabri-lo e foi inocentado pela juíza Bettina Baschler, que encontrou problemas técnicos no processo – há matérias na internet. Fiquei curioso para saber o motivo pelo qual a torcida reviveu o caso, afinal já haviam se passado 36 anos. Não precisei procurar a resposta por muito tempo. O episódio foi ressuscitado pelas redes sociais. O caso de Daniel Alves tirou da gaveta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a história do ex-jogador Robson de Souza, 40 anos, o Robinho. Em 2013, Robinho e cinco colegas se envolveram em um estupro coletivo de uma albanesa, em uma boate de Milão, na Itália. A Justiça italiana condenou Robinho a nove anos de cadeia. Como o ex-jogador vive no Brasil e o país não extradita brasileiros, os italianos pediram ao governo brasileiro para que Robinho cumprisse a pena aqui. Na quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a Corte Especial do STJ decidiu que o ex-jogador deve cumprir a pena no Brasil. Desde a madrugada de sexta-feira (22/3), Robinho está preso na Penitenciária 2, de Tremembé, São Paulo.
O caso é o seguinte. É zero a tolerância nos países civilizados para com os crimes contra mulheres. Todas as semanas casos envolvendo pessoas famosas e poderosas ocupam as páginas dos jornais. E os jogadores de futebol têm demonstrado potencial de se tornarem assíduos nas manchetes. Não interessa como Daniel Alves irá aguardar em liberdade a tramitação do recurso contra a sentença de quatro anos e seis meses de prisão. O fato é que foi condenado graças a um protocolo implantado nas casas noturnas da Espanha que facilita às autoridades o recolhimento de provas – há matérias na internet. A preocupação do pai de Neymar em cortar as ligações com o ex-jogador tem a ver com a preservação da imagem pública do filho, que rende milhões em salários e contratos de publicidade. A cobertura de escândalos como o de Daniel Alves está muito carente de revelar a leitura do lado econômico do caso. Em uma conversa que tive com estudantes de jornalismo, brotaram perguntas sobre a imprensa esportiva. Fiz um relato falando que nas décadas de 80 e 90 os repórteres esportivos, além das questões técnicas dos jogadores, também ficavam atentos ao lado pessoal da vida dos atletas, especialmente nos seus envolvimentos com festas e outras lambanças. Atualmente, a preocupação da imprensa esportiva é unicamente com o lado técnico. Em uma entrevista, Adenor Bachi, 62 anos, o Tite, que comandou a Seleção brasileira de 2016 a 2022, foi perguntado sobre o caso Daniel Alves. Resumindo a sua resposta, ele disse que conhecia o lado profissional do ex-jogador e não o pessoal. Claro que não defendo que se deva transformar a cobertura esportiva em uma coluna de fofocas. Mas ficar atentos e publicar fatos praticados pelos jogadores que são crimes previstos no código penal.
Para arrematar a nossa conversa. Qual será o efeito pedagógico na cobertura esportiva das condenações por estupro dos dois ex-craques da Seleção, Daniel Alves e Robinho? É difícil que haja alguma mudança. Nos dias atuais, há uma mistura tóxica da cobertura esportiva com os interesses das casas de apostas. Uma coisa é certa. A imprensa esportiva precisa ficar atenta a tudo que acontece no seu setor, como manda o manual do bom jornalismo.