O tiro de misericórdia no governo do presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), será dado pela descoberta do trajeto desconhecido percorrido pela mala com os R$ 500 mil de propina paga pelo empresário Joesley Batista, da JBS, ao ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB – PR). Essa é a primeira vez, desde que começou a Operação Lava Jato, em 2009, em que os repórteres têm uma chance real de fazer uma investigação própria e descobrir o trajeto percorrido pela mala antes dos agentes da Polícia Federal (PF).
Para os jovens repórteres, descobrir o trajeto da mala da propina é uma oportunidade de conseguir um lugar ao sol. Vamos rever a história em busca de algum detalhe que não tenha sido notado, e isso pode colaborar na solução do nosso problema. A história começa com a delação premiada do empresário Joesley Batista na Operação Lava Jato – o vídeo pode ser encontrado na internet. A JBS tinha um problema para resolver no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), referente ao preço do gás. Loures articulou um encontro entre o presidente Temer e o empresário. Durante a conversa, Temer indicou ao empresário o ex-deputado para resolver o assunto. Dias depois, aconteceu uma conversa entre o empresário e Loures, quando ficou acertada uma propina de R$ 500 mil semanais por 20 anos. A primeira mala com dinheiro foi entregue pelo diretor da JBS Ricardo Saud, em uma pizzaria, em São Paulo, na noite de 28 de abril de 2017 – os detalhes estão na delação do diretor, disponível nas redes sociais. Toda a entrega foi documentada por uma equipe da PF – o vídeo pode ser encontrado na internet.
Loures pegou a mala, entrou em um táxi, que o esperava com o porta-malas aberto, e sumiu do mapa. A equipe da PF que estava documentando toda a entrega perdeu a pista dela. A história oficial da Federal é que a mala não tinha rastreador para evitar ser descoberta, o equipamento seria colocado na segunda mala da propina entregue.
Essa é a conversa da Federal. Podemos acreditar? Existe uma boa possibilidade que tenha alguma verdade, por dois motivos: o primeiro é que foi uma investigação compartimentada. O que significa isso? Apenas um grupo muito pequeno de pessoas sabia o que estava acontecendo. O restante da equipe apenas cumpre as tarefas dadas, sem fazer perguntas. Esse tipo de procedimento é normal para evitar vazamento de informações, que é um dos graves problemas na Lava Jato. Mas também é o tipo de investigação que tem um grande potencial de dar problema. Já vi dar tiroteio entre equipes de policiais por engano.
O segundo motivo que contribui a favor da história contada pela Federal foi dado pelo desconhecimento do trajeto feito pela mala: a equipe da PF que trabalhava em campo estava dentro de um carro na frente da pizzaria, onde Loures recebeu a mala de dinheiro de Saud. O ex-deputado saiu pela calçada puxando a mala, em direção a um táxi branco, que estava com o porta-malas aberto. A equipe da PF teve problemas com o trânsito e perdeu de vista o táxi – não conseguiram anotar a placa ou o prefixo. Isso acontece, como repórter investigativo, já fiz muitos trabalhos em campo, e o que aconteceu faz parte. E, quando acontece, a gente não deve forçar a barra para não colocar toda a investigação em risco. Foi o que os federais fizeram: ficaram frios.
Em 23 de maio deste ano, 24 dias depois de receber a mala com a propina, o ex-deputado a entregou à PF, faltando R$ 35 mil, que foram repostos por ele.
Essa é a conjuntura. Portanto, a versão do trajeto da mala , que será conhecida, vai ser a negociada por Loures com os envolvidos. Nós, repórteres, temos a chance de mudar essa história. Em primeiro lugar: não podemos tratar o ex-deputado como um amador no ramo do manuseio com dinheiro. Ele é um empresário bem sucedido, um politico articulado e mexe com dinheiro no PMDB há mais uma década. Isso significa que existe uma boa chance de essa não ser a primeira vez em que recebeu uma mala com propina. Um indício do qual estou falando está na delação premiada do diretor da JBS: ele disse que, quando Lourdes recebeu a mala, falou alto para ser ouvido que estava esperando a bagagem para viajar e saiu caminhando apressado em direção ao táxi, que o esperava com o porta-malas aberto. A fala do ex-deputado fez parecer um encontro normal.
Outro detalhe: São Paulo é uma cidade violenta. E ficar com o porta-malas aberto do carro é um convite para ser assaltado. Portanto, caso o taxista não seja das relações do ex-deputado, ele deve se lembrar do cliente que pediu para deixar o porta-malas aberto. Como localizar o motorista do táxi perdido pelos federais? Nessa altura dos acontecimentos, os policiais já devem ter vasculhando todas as câmeras de segurança das redondezas e também dos aeroportos em busca de pistas para identificar o veículo. Com autorização da Justiça, os policiais podem exigir ver as imagens. Nós não temos essa possibilidade. Dependemos da boa vontade do dono da câmera, que geralmente é orientado pela polícia a não colaborar com a imprensa. A solução é gastar sola de sapato. Já resolvi diversas situações semelhantes voltando ao local onde tudo aconteceu, no mesmo horário. Por se tratar de um lugar de grande circulação de pessoas, sempre existem aqueles que, naquele horário, trabalham nos arredores – guardadores de carros, vendedores de rua, seguranças de comércio. Também funcionava vasculhar os pontos de táxis próximos. E convencer um taxista a dar acesso à rede social dele. Geralmente, existe uma troca de informações muito grande entre eles.
Se o motorista do táxi for encontrado e falar sobre o que aconteceu naquela noite, ele irá contar apenas um elo dessa história, tanto para o repórter quanto para o agente federal. O resto da história, e o mais interessante, pode ser descoberto fazendo um levantamento do cotidiano do ex-deputado. A polícia faz isso através de documentos, quebra de sigilos bancário e telefônico e outros meios. Nós não temos esse poder. Mas podemos vasculhar as redes sociais dele. Conversar com os comerciantes que têm lojas ao redor da casa do ex-deputado. E o mais importante: tentar ter acesso ao lixo da casa dele e do gabinete – as pessoas colocam muita coisa fora que pode ajudar o investigador. É como se estivesse fazendo uma construção: um tijolo por vez. Cada pequena informação que se consegue ajuda a construir o cotidiano do ex- parlamentar. E é exatamente no seu cotidiano que iremos encontrar o trajeto feito pela mala de propina. É um grande desafio descobrir o trajeto feito pela mala da propina. Mas quem disse que reportagem investigativa é fácil de fazer?