Com a prisão de grandes empresários, parlamentares e funcionários graduados de estatais pela força-tarefa da Operação Lava Jato, reforçou-se o sentimento de que ninguém está acima da lei no Brasil. E eu acrescento: nem a Lava Jato.
Assim sendo, é do jogo a decisão o voto do Gilmar Mendes da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao habeas corpus que deu liberdade provisória para o ex-ministro José Dirceu, o Zé Dirceu.
Zé Dirceu não é um João Ninguém. Sua vasta folha de serviços prestados na luta contra o regime militar (1964-1985) deu-lhe capital político para ser um dos homens públicos mais importantes do Brasil. No entanto, seu envolvimento com o submundo da corrupção tornou-o um fora da lei.
Aos 70 anos de idade, com três condenações por desvio de dinheiro público (uma no Mensalão e duas na Lava Jato) que somam 32 anos de cadeia, além de responder a três novas denúncias do Ministério Público Federal (MPF), Dirceu é uma carta fora do baralho da disputa política. Por isso, não concordo com avaliação feita por comentaristas políticos de que liberdade provisória de Zé Dirceu seja uma ameaça à Lava Jato.
Particularmente, acreditava que o juiz Sérgio Moro, responsável por determinar as condições em que Zé Dirceu deixaria a prisão, iria colocar uma série de restrições à sua soltura. Enganei-me. Moro mandou que Dirceu apenas usasse uma tornozeleira eletrônica. O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol, esperneou antes da decisão dos ministros e depois. Mas, como já disse, é do jogo.
Os comentaristas políticos, assim como os de futebol, operam em uma área do jornalismo chamada “de opinião”. O repórter, não. Se ao comentarista é permitida certa liberalidade na análise dos fatos que muitas vezes escorrega para o campo da emoção ou do mero desejo, nós, repórteres, operamos unicamente no terreno da exatidão das informações. Portanto, não podemos nos comportar como torcida organizada da Lava Jato, dando ao episódio da liberdade de Zé Dirceu uma dimensão que o caso não tem.
Então qual é a nossa função nesta questão? Há uma boataria nas redes sociais sobre pessoas bem próximas ao ministro Gilmar Mendes teriam influenciado na sua decisão. Nós temos que investigar e esclarecer o assunto.
Mais ainda. O ex-ministro Antonio Palocci, 56 anos, está cumprindo prisão preventiva há seis meses. Recentemente, Palocci disse para o juiz Moro, durante um depoimento, que tinha informações que poderiam ampliar a investigação da Lava Jato. É de se perguntar: por que no dia seguinte à prisão de Palocci o procurador Dallagnol não começou a negociar com ele a delação premiada?
Tenho fontes na periferia da força-tarefa, e o que ouvi é que a obsessão de Dallagnol de prender Lula é tão grande que “se pisar em ouro não reconhece”. Nesse caso, Palocci é ouro. Um dos fundadores do PT, ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil com Dilma, é descrito até pelos inimigos políticos como um homem inteligente e muito bem informado. Aliás, ele disse para Moro que tem informações que iriam prolongar o trabalho da Lava Jato por mais um ano. E não estava exagerando.
Por exemplo: como ministro da Fazenda, Palocci sabia o que acontecia na Receita Federal, no Conselho de Administração de Recursos Financeiros (Carf) e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). O que os funcionários bem pagos e altamente qualificados desses órgãos faziam enquanto o país era saqueado? Palocci pode ter essas respostas.
Palocci é o cara que pode levar as investigações da força-tarefa da Lava Jato para dentro de grandes empresas, principalmente as automobilísticas, os bancos, as grandes, médias e pequenas (incluindo blogueiros) redes de comunicação social e até do Poder Judiciário. Nesta quarta-feira, um segundo habeas corpus, pedindo para responder o inquérito em liberdade, foi-lhe negado pelo STF.
Zé Dirceu já era, ou como se diz no jargão das redações, são “favas contadas”. Palocci, ao contrário, tem informações que podem reescrever a história política do Brasil.
Como repórteres precisamos esclarecer quais são as prioridades de Dallagnol, pois elas interessam a todo o país. A obsessão dele em prender o Lula tira o foco da investigação.