Na crença do nosso leitor, o professor universitário é a pessoa que ajuda o seu filho a passar da adolescência para a idade adulta e, daí para o exercício de uma profissão, pela vida afora. Estamos desrespeitando essa crença na maneira como noticiamos as demissões em massa que têm acontecido por todo o país nas universidades particulares, onde estudam mais de 70% dos 7,3 milhões de universitários brasileiros. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, na semana passada, a UniRitter demitiu 127 professores, incluindo a reitora e a sua vice. No meio do ano, a PUCRS demitiu mais de 100 e, na Unisinos, foram outros 80. No caso da UniRitter, o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), na terça-feira (dia 19), conseguiu na Justiça do Trabalho uma medida limitar suspendendo as demissões. É claro que vão entrar com recurso. Essa universidade pertence ao grupo econômico Laureate International Universities, que é uma rede global de instituições acadêmicas privadas, com sede em Baltimore, Maryland, nos Estado Unidos.
Antes de seguir a conversa, eu vou lembrar o seguinte aos meus colegas repórteres, principalmente aos novatos. Como em outros cantos do mundo, o ensino superior no Brasil é um negócio altamente rentável, a prova é a presença de grupos internacionais como Laureate e tantos outros. E, dentro dessa visão comercial que nós temos publicado de maneira correta, explicações para as demissões: a crise econômica é a responsável pela redução de matriculas, o aumento da inadimplência das mensalidades e o corte nos créditos oficiais. E a necessidade das universidades atualizarem seus conteúdos frente às mudanças feitas no mercado de trabalho pelas inovações tecnológicas. Esse é o cenário. Agora vamos olhar para o cenário com os olhos dos pais dos alunos. Eles investiram as suas economias nessas instituições de ensino seguindo o modelo do nosso modo de vida onde ter um filho “doutor” é sinal de missão cumprida com a família. Lembro que a grande maioria dos pais com filhos nas particulares é de trabalhadores de média e baixa renda. No momento em que os professores começam a ser demitidos em massa, as notícias que publicamos colocaram um monte de pontos de interrogação na cabeça dos pais. Um deles. Por que nas outras crises econômicas –principalmente, nos anos 90 – não aconteceram demissões em massa nas universidades particulares?
Uma das respostas para essa pergunta é que, com a estabilidade econômica que aconteceu nos dois governos dos presidentes da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB – SP) e Luiz Inácio da Silva (PT – SP), houve uma ampliação das universidades particulares graças ao pleno emprego e aos generosos programas de créditos oficiais para pagar as mensalidades de alunos. Durante esse período, dezenas de profissionais investiram em cursos de pós-graduação e doutorados, apostando em uma carreira como professor de universidade particular. A crise econômica dos últimos três anos derrubou tudo isso por terra. Mas foi isso? Não. As universidades particulares estão aproveitando a oportunidade criada pelo atual momento econômico para implantar um novo modelo de ensino, onde um dos esteios é o conteúdo homogêneo e uma drástica diminuição no contato direto do aluno com o professor. Isso não é coisa nova. Há um documentário chamado “Ensino Superior: A nova guerra econômica global”, de Jean-Robert Viallet , disponível na internet, que dá uma boa pista do que vem por aí.
Esse modelo de universidade nasceu nos Estados Unidos, migrou para Europa e Ásia e veio para ficar no Brasil. Ele preparou as universidades para disputar o mercado mundial de alunos. Em 1960, existiam 30 milhões de universitários no mundo; em 2015, já eram 200 milhões; e em 2030, a projeção é de 400 milhões. As universidades particulares brasileiras estão se preparando para competir por esse mercado. Imagine o seguinte. Em um futuro bem próximo, um país em qualquer canto do mundo vai poder escolher o lugar onde o custo de vida e da mensalidade da faculdade para o filho cabe no orçamento. No Brasil hoje, os país podem enviar os seus filhos para estudarem medicina por um terço do preço pago aqui nos países vizinhos. Lembro que a qualidade do ensino argentino é igual ou melhor do que o brasileiro.
Dentro desse cenário, o que nós, repórteres, devemos lembrar aos nossos leitores? O professor foi e vai continuar sendo pessoa importante para nos ajudar a encaminhar os nossos filhos. A mudança de modelo das universidades particulares beneficia os seus proprietários. A prova é que o preço das mensalidades continua o mesmo. Olhando a questão global, podemos resumir assim a questão: o modelo de universidade particular produz pais endividados, alunos desempregados ou ganhando salários baixos e proprietários das instituições ricos. Tem que existir, em algum canto do mundo, um modelo melhor e mais justo.
Caro, Carlos Wagner, este cenário não lembra um pouco o que está ocorrendo nas redações dos jornais?
Com toda a certeza