Nos tempos românticos do jornalismo, existia uma expressão nas redações que todo o repórter fugia dela: “Gillette Press”. Não tem nada a ver com o lâmina de barbear patenteada pelo empresário norte-americano King Camp Gillette (1855 a 1932). A expressão era usada, de maneira pejorativa, para dizer que o repórter era um copiador de notícias alheias. Ele recortava o texto de um jornal, ou um livro, e o colocava em uma folha de papel que era conhecida como lauda – que era usada fazer a matéria nos tempos das barulhentas máquinas de escrever. Hoje, na era dos computadores, o Gillette Press é conhecido nas redações como Ctrl+C e Ctrl+V, que são teclas usadas para copiar informações alheias publicadas em sites, blogs e jornais. Ctrl+C e Ctrl+V é, igualmente, uma maneira pejorativa de chamar o repórter de copiador. Seja lá qual for a nova tecnologia de escrever as reportagens que inventarem no futuro, certamente existirá o copiador. Ele faz parte da cultura das redações. Por que o copiador de informações e de matérias alheias existiu, existe e vai sempre existir nas redações?
Antes de seguir contando a história, eu quero falar o seguinte: por qual motivo estou desenterrando esse assunto? Por considerar importante que as novas gerações de repórteres entendam que a cultura que existe nas redações de copiar informações alheias, mesmo citando a fonte, é a responsável pela infiltração das fake news no nosso meio. Mesmo nos tempos em que as fake news tinham outro nome, mas que eram igualmente uma mentira, essa cultura já era uma porta aberta para os boatos circularem como verdades nas nossas matérias. O fato de uma informação estar circulando em um jornal de prestígio não significa que ela seja verdade. Eu já vi colegas serem processados e condenados por publicarem como verdade informações que eram manchetes de prestigiados noticiários – jornais, TVs, rádios, sites e blogs. O maior capital que um repórter tem é a sua credibilidade, que é construída ao longo da sua vida profissional. Mas ela pode acabar em um piscar de olhos. Daí a importância de estarmos sempre atentos.
Vamos à história da cultura do Gillette Press. Para facilitar a conversa, vamos eleger um ano na história do Brasil: 1950. A maioria da população vivia em áreas rurais, as estradas eram precárias, e as linhas telefônicas eram escassas e caras. Os meios de comunicação de massa eram os noticiários de rádios e jornais impressos. O alto preço limitava o acesso das famílias a possuírem um rádio. E a circulação dos grandes jornais se limitava a capitais e arredores. Mesmo nas maiores cidades do interior, o jornal chegava com alguns dias de atraso. Nas cidades do interior, existiam as chamadas “radios cachaça” – pequenas emissoras que tinham esse apelido por serem o único meio de comunicação. Portanto, todos tinham que ouvir. E os jornais semanais. A maneira que os repórteres tinham de buscar as notícias estaduais, nacionais e internacionais era copiando os jornais das capitais. Foi nesse meio que o Gillette Press ganhou corpo e cresceu. Pelo seu lado, as redações das capitais copiavam as informações nacionais dos grandes jornais do eixo Rio/São Paulo. Por sua vez, os noticiários de Rio/São Paulo copiavam informações dos grandes jornais americanos e europeus. De maneira simples, era assim que a coisa funcionava.
Com o tempo, esse sistema de circulação de informações no nosso meio não mudou a sua estrutura. Apenas houve um avanço na tecnologia de acesso às informações. Lembro que, em 1979, quando comecei a trabalhar em redação, o acesso do repórter já era bem mais fácil, graças à popularização das linhas telefônicas, das estradas asfaltadas e do aperfeiçoamento das máquinas de escrever, que eram mais leves e eficientes do que as da década de 50. Nos 35 anos seguintes em que trabalhei como repórter nas redações, a nossa vida foi facilitada pelas novas tecnologias – computadores, internet e outras parafernálias. Mas as fontes de informações continuaram e continuam sendo as mesmas. A grande novidade surgida na nossa profissão foi quando o repórter começou a gastar sola de sapato, batendo de porta em porta em busca de histórias inéditas para contar. O resto que existe nas redações, hoje, são velhas práticas de copiar coisas alheias travestidas de modernidade. Essa prática tem se perpetuado por ser uma maneira barata de conseguir informações. Acrescentaria: barata e perigosa. A Escola de Base é prova disso. No meio acadêmico a existência do Gillette Press é um problema , como alertou a professora Liana Vidigal no blog Comunicação Web, que tem como foco a difusão de informações e pesquisa sobre jornalismo.
Esta campanha da mídia tradicional contra as fake news, é conversa mole. Foram elas quesempre usaram deste expediente mintirosa. O Globo, Folha Veja usaram e abusaram das fakes contra o PT. A Zero e o Correinho faziam o mesmo aqui no RS. Depois reclamam que os leitores os troquem pela internet.
Tu tem razão
Carlos, meu caro, nos anos 80 do século passado editei um fanzine chamado Gilete Press, onde recordava e colava matérias culturais de Goiânia. Basicamente relacionadas à literatura. E metia lá uns poeminhas meus e de amigos. Seu artigo me trouxe boas lembranças.
Me manda uma cópia, um baita abraço.