Duas notícias recentes ressuscitaram nas redações os jornalistas que acreditaram na imparcialidade do trabalho da força-tarefa da Operação Lava Jato. Eles são conhecidos como as “viúvas de Sergio Moro”, numa referência ao então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), que ganhou notoriedade mundial no comando da operação. A primeira notícia foi a confirmação da decisão de Moro, 49 anos, de se filiar ao Podemos, no próximo dia 10, e concorrer ao cargo de presidente da República ou de senador nas eleições de 2022. A outra notícia foi a decisão do procurador da República Deltan Dallagnol, 41 anos, de deixar o Ministério Público Federal e disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo Paraná. Dallagnol foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato. O procurador-geral da República Augusto Aras extinguiu a operação em fevereiro passado (2021). Um número significativo de comentaristas políticos e analistas de mercado financeiro acalentam o sonho de Moro vir ser a terceira via entre os dois candidatos atualmente apontados pelas pesquisas eleitorais como os com maior chance de vencer a disputa: o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que concorre à reeleição e ocupa o segundo lugar na preferência dos eleitores. E o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que lidera as pesquisas.
Antes de seguir contando a história, vou citar alguns fatos que considero importantes. Tomei a liberdade de furtar dos jornalistas esportivos a expressão “viúvas”, que eles usam para chamar aqueles que se apaixonam pelo talento de um determinado jogador, e quando este jogador deixa o clube continuam lembrando dele de forma saudosa por muito e muito tempo. Como nasceram as viúvas do Moro nas redações? Usando a linguagem do futebol, a Lava Jato foi vendida para os jornalistas como se fosse o Pelé no combate à corrupção, uma cópia aperfeiçoada por Moro da Operação Mãos Limpas, da Itália (1992 a 1996) – há matérias na internet. A Lava Jato entrou em decadência, foi encerrada, e nas redações ficaram as viúvas de Moro. Agora, voltando à história. Sou um velho repórter estradeiro com 71 anos e uns 40 e poucos de profissão, sendo mais de 30 em redação de jornal. Portanto, com base nas histórias que já vi, testemunhei e escrevi, digo que não quero discutir aqui a questão da terceira via, os rolos de Bolsonaro ou as estratégias de Lula para voltar ao poder. Vou discutir, em especial com os jovens repórteres que estão na correria da cobertura do dia a dia nas redações dos jornais, aquilo que considero importante. Que é o fato de estarem vendendo pelas redações a versão de que a Lava Jato foi destruída pelos poderosos que ela colocou na cadeia, como o ex-presidente Lula, grandes empreiteiros como Marcelo Odebrecht (li a história dele no livro A Organização, da comentarista política Malu Gaspar) e o astuto e articulado ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ).
A Lava Jato foi destruída pelas falcatruas jurídicas cometidas por Moro, Dallagnol e delegados da Polícia Federal (PF) que faziam parte da força-tarefa. Uma dessas falcatruas era combinarem os rumos dos processos. Está tudo registrado nas denúncias feitas pelo site The Intercept Brasil e nos processos no Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-juiz Moro agiu como justiceiro e depois abandonou a toga para se tornar ministro da Justiça e Segurança Pública do presidente Jair Bolsonaro, que em 2018 tinha Lula como maior adversário. Mais ainda. A Lava Jato não descobriu a luta contra a corrupção no Brasil. A luta contra a corrupção é um processo que começou entre os presos políticos da ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. Com a redemocratização, em 1985, instituições como o STF começaram a se reorganizar e forneceram a musculatura necessária para a democracia se estruturar no país. Um dos esteios da defesa da democracia é a liberdade de imprensa, que foi assegurada pela Constituição de 1988. O fim da Lava Jato não significou que a luta contra a corrupção acabou. Muito pelo contrário. A musculatura da democracia brasileira é forte o bastante para colocar os corruptos na cadeia. A principal arma de defesa dos brasileiros contra os corruptos e outros safados é a liberdade de imprensa. Não por outro motivo que grupos políticos têm investido na montagem de estruturas que publicam nas redes sociais mentiras como se fossem verdades.
As viúvas de Moro nas redações têm o direito de apostar na candidatura do ex-juiz. Mas não têm o direito de reescrever a história da Lava Jato fugindo dos fatos. Os tempos mudaram. Graças às novas tecnologias, os nossos leitores têm acesso a várias fontes de informações ao apertar um botão. Isso significa que os jornalistas não são mais os donos da verdade. A imprensa vendeu para a opinião pública a imagem da Lava Jato como um símbolo no combate à corrupção. Uma imagem construída por Moro e Dallagnol, que manipularam a imprensa com os seus vazamentos seletivos de informações, a maioria incompletas. Apostando que a concorrência entre os jornalistas pela manchete exclusiva garantiria espaços nobres nos noticiários para a Lava Jato. Como de fato garantiu. Hoje sabemos exatamente o que acontecia entre as quatro paredes da operação. Só nos filmes de Hollywood a história de justiceiros termina bem. Na prática, aprendemos que acabam como na Alemanha nos anos 1930, quando os nazistas se infiltram no governo empunhando a bandeira de uma nova ordem.