Como se fala no jargão dos repórteres está redonda – bem fechada – a notícia dada pelo Jornal Nacional (JN), da Rede Globo, na noite de terça-feira (29/10), sobre a visita do ex-policial militar Élcio Queiroz, no dia 14 de março de 2018, ao condomínio onde morava, no Rio de Janeiro (RJ), o então deputado federal Jair Bolsonaro. O ex-policial está preso por ser um dos suspeitos de matar, poucas horas depois da visita ao condomínio, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e seu motorista Anderson Gomes. O JN pegou o depoimento dado à polícia pelo porteiro do condomínio e fez uma investigação própria. É assim que se faz jornalismo. Também, como se diz no jargão das redações, é normal a reação à notícia do agora presidente da República Bolsonaro. Nas redes sociais, ele encheu de desaforos a Rede Globo, e não usou meias-palavras para as ameaças que fez sobre o futuro da empresa. A notícia coloca o nome do presidente no cenário da morte da vereadora que foi notícia ao redor do mundo. Como isso tudo vai influenciar no cotidiano do nosso leitor?
Antes de responder à pergunta, quero usar o meu conhecimento sobre como funcionam as redações nos dias atuais para afirmar o seguinte: a opinião pública é moldada pelos conteúdos publicados nos noticiários do dia a dia, aqueles que repetem a mesma notícia uma dezena de vezes durante as 24 horas. E quem é o repórter que produz esses conteúdos? Geralmente um jovem contratado por um salário miserável para fazer texto, vídeo, áudio e cumprir três a quatro pautas diárias. Ele não tem tempo de se abastecer e cruzar as informações com várias fontes para saber se o que publicou tem pé e cabeça. Ouve, lê e vê o que os comentaristas políticos estão dizendo e consulta as assessorias de imprensa.
Sobre os comentaristas políticos, um parênteses. Eles são poucos e estão submetidos a uma enorme carga de trabalho. Portanto, não têm tempo para conversar com várias fontes e formar uma ideia do está acontecendo. As atuais condições de trabalho das redações não favorecem o surgimento de outro Carlos Castello Branco, o Castelinho, falecido em 1993 – a biografia do colunista político do antigo Jornal do Brasil, escrita por Carlos Marchi, é leitura obrigatória na nossa profissão. Todo aquele imenso mar de liberdade. Sou velho, tenho 69 anos, 40 como repórter e um currículo bem nutrido que me permite conversar com os meus colegas.
Voltando à história. A conversa que quero ter com meus colegas, especialmente os jovens que estão na correria das redações, é a seguinte. No ano de 2018 ocorreu uma série de fatos que ainda não sabemos com exatidão se têm ou não relação entre eles. Mas são acontecimentos que determinaram os atuais rumos do Brasil, um país com economia parada e um enorme contingente de 13 milhões desempregados. No final de 2017 a candidatura de Bolsonaro à Presidência da República começava a ganhar músculos e se aproximava, nas pesquisas de intenção de voto, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-RS). Em março de 2018, a vereadora Marielle e seu motorista Anderson foram executados a tiros. Imediatamente, milicianos foram apontados como responsáveis pelas mortes. Um dos suspeitos, que hoje está preso, é o ex-policial militar Ronnie Lessa, morador do mesmo condomínio em que residia o atual presidente da República (foi na casa de Lessa que o Élcio Queiroz esteve antes da execução).
O calor da disputa entre Lula e Bolsonaro deixou o caso dos assassinatos da vereadora e do seu motorista esquecido. No mês seguinte à morte de Marielle, em abril, Lula, que em janeiro fora condenado em segunda instância no caso do tríplex de Guarujá (SP), foi preso e se tornou inelegível. Em primeira instância, Lula havia sido condenado pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR). Moro era o símbolo da Operação Lava Jato. Lula foi substituído pelo professor Fernando Haddad como candidato do PT à Presidência. Em setembro, Bolsonaro sofreu um atentado a faca. No mês seguinte, se elegeu presidente do Brasil. E no dia 1º de novembro, o então juiz Moro abandonou uma carreira de 22 anos na magistratura para se tornar ministro da Justiça e Segurança Pública do presidente Bolsonaro.
Em outubro de 2019 estourou uma briga interna no partido do presidente Bolsonaro. O caso Marielle virou munição na briga? Essa é a ordem dos fatos. Existe alguma relação entre eles? A busca pela existência ou não dessa conexão ocorre em um ambiente contaminado por fake news, contrainformação (usada pelos serviços de inteligência), interesses políticos, econômicos e sabe lá deus mais o quê. É por esses caminhos que o repórter anda em busca da verdade para contá-la ao leitor. Um caminho forrado de cascas de banana.