A vida do repórter nunca foi fácil. Já era difícil nos tempos que se escrevia as matérias molhando uma pena no tinteiro. Não melhorou quando inventaram a máquina de escrever, só ficou mais barulhenta pelo som das teclas batendo na lauda. Muito menos nos tempos atuais, em que se digita a reportagem em um teclado de computador. E seja lá o que venha por aí, duvido que vá melhorar. Por quê? Bater a matéria é a parte visível do nosso trabalho. Ajeitar as palavras nas frases é uma questão técnica misturada com talento. A parte mais difícil fica longe dos olhos do leitor, que é descobrir e convencer uma pessoa que tem uma história para contar. Ainda mais quando a história traz a público as sacanagens da própria fonte. E precisamos convencê-la que a sua melhor opção é contar a sua versão. Convencer uma fonte a falar não é só uma questão técnica. Ou um somatório do prestígio do repórter com o poder de comunicação do jornal em que trabalha. Existe também o fator sorte. É sobre isso que vamos conversar.
Fiz todo esse nariz de cera para entrar pisando leve na nossa realidade de hoje. Estamos nas semanas finais da eleição presidencial mais tensa até agora na história do Brasil, por conta da situação econômica, social e de saúde pública criada no país pela pandemia de Covid-19 e as dificuldades na importação de matérias-primas decorrentes da guerra entre Rússia e Ucrânia, dois grandes produtores de grãos, petróleo e outros insumos essenciais para o mundo. Todas essas dificuldades têm o seu potencial multiplicado pela estratégia adotada para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), tendo como principal adversário o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem chances de ganhar no primeiro turno. O que vem pela frente para os repórteres não é café pequeno. Aviso que por ser um velho repórter estradeiro, 71 anos de idade e 30 e tantos passados em redação, tomei a liberdade de usar alguns termos que aprendi nos primeiros dias da profissão, em 1979, como “bater matéria”, atualmente substituído por digitar, e “lauda”, uma folha de papel de tamanho ofício com logotipo do jornal e marcações, nas quais se escrevia as reportagens. Vamos à conversa. Nas reuniões de pauta, sempre surge aquela que todos consideram a grande notícia que nenhum dos concorrentes conseguirá fazer. É nessas ocasiões que o editor olha para o repórter e pergunta, com um sorrisinho no canto da boca: “Consegue fazer?”
Muitas vezes ouvi essa pergunta do editor. Algumas vezes tentei jogar no colo do colega mais próximo. Mas na maioria delas respondi: “Claro”. E depois fui ao banheiro vomitar e me amaldiçoar pela minha “boca grande”. Por trabalhar com jornalismo investigativo desenvolvi uma boa técnica para convencer os entrevistados a contar a sua história, como demonstra o meu currículo disponível na internet. Mas não me descuidei de manter por perto o meu “campesino da fortuna”. Um boneco de gesso que encontrei quando fazia matéria na fronteira do Brasil com a Bolívia. Ele carrega vários sacos de mantimentos e um rádio atados no corpo. Sempre que saía para uma pauta muito difícil, eu passava a mão na cabeça dele. No início da década de 90, fazia parte de um enorme grupo de jornalistas de vários cantos do Brasil e alguns estrangeiros na cobertura dos conflitos agrários no Pontal do Paranapanema, interior de São Paulo. A competição pela matéria exclusiva era uma batalha diária. Entre nós havia uma jovem repórter que trazia dentro da bolsa vários santinhos de papel. À noite a gente se reunia nos botecos perto dos hotéis para comer, beber e trocar informações. Um dia ela conseguiu uma entrevista exclusiva com um brasiguaio, como são chamados os agricultores brasileiros que foram viver no Paraguai. O gancho da história era que, na época, vários brasiguaios estavam voltando para o Brasil e cogitavam erguer um acampamento na região. Perguntei para ela como tinha conseguido encontrar o brasiguaio. Ela respondeu: “Os meus santinhos são fortes”. Em 2001, logo depois do atentado que derrubou as Torres Gêmeas, em Nova York, a cidade de Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira Brasil, Argentina e Paraguai, recebeu jornalistas de vários lugares do mundo por conta da afirmação dos serviços de inteligência americanos de que a região “era um ninho de terroristas”. Na época, os sites começavam a brotar por todos os cantos e com isso a competição entre os jornalistas se acirrou. Um colega, que trabalhava em uma agência de notícias internacional, pelo menos duas vezes por semana conseguia uma matéria exclusiva. Um dia, durante o jantar, a história das matérias exclusivas entrou na conversa de maneira natural. E ele disse que era um cara de sorte porque durante as coberturas sempre usava o mesmo boné.
Contei esses casos. Não disse os nomes dos colegas por entender que “o que se fala na mesa do boteco morre lá”, uma velha regra dos repórteres estradeiros que sigo e respeito. Mas existem muitos outros. O importante da nossa conversa é lembrar aos colegas, em especial aos jovens repórteres que estão na correria das redações, que quando a matéria nos encurrala em um canto e parece que tudo vai por água abaixo, o ideal é colocar a “bola no meio de campo”. O que isso significa? Rever as anotações, cruzar as informações obtidas e fazer uma lista do que falta descobrir. Lembro que sempre que um colega entrava na redação de cabeça baixa a gente falava: “Está sendo engolido pela pauta”. Não existe nada mais humilhante para um repórter do que dizer para o editor que não conseguiu fechar a matéria. Antes de admitir que não conseguiu é sempre bom repassar as informações que possui, porque lá no meio pode estar escondida a exclusividade. A sorte às vezes acontece e o repórter só vai se dar conta aos 46 minutos do segundo tempo.