Pela carência de fontes de informações confiáveis no núcleo do grupo político do novo presidente da República, a imprensa está supervalorizando as declarações dos três filhos parlamentares do eleito para ocupar a presidência, Jair Bolsonaro (PSL – RJ). Esse comportamento é uma saia justa para o novo governo que, semanalmente, está explicando o que quer dizer um dos filhos nos noticiários. Mas o maior problema é para o nosso leitor, uma pessoa rodeada de problemas de segurança pública, desemprego (são 14 milhões de desempregados no país) e deficiência na saúde pública. E que precisa das nossas informações ditas de uma maneira precisa e simples para se organizar e conseguir sobreviver com o que vem por aí. Lendo os conteúdos dos noticiários, a imagem que fica é que Bolsonaro e seus três filhos não estão se entendo. Imagina o resto do governo que irá tomar posse dentro de algumas semanas.
Questionamento nesse sentido me foi feito por um senhor, de meia idade, que sabe que sou repórter, em um posto de combustíveis de Porto Alegre. Saí do posto pensando na indagação. Confesso que, até essa conversa, eu tinha no meu imaginário a imagem de que, por serem filhos, terem feito parte ativa da campanha e pelos cargos que ocupam, Eduardo, 32 anos, deputado federal (PSL – RJ), Flávio, 35, senador (PSL – RJ) e Carlos, 35, vereador do Rio de Janeiro (PSL), eles tinham acesso a informações de cocheira, que, no jargão dos repórteres esportivos, significa conteúdos exclusivos. Portanto, tudo o que falam é manchete. Na noite de ontem e na manhã de hoje, quinta, dia 29, é manchete nos jornais uma conversa que o Eduardo teve, nos Estados Unidos, com empresários. Na fala, ele disse que o seu pai vai ter dificuldades em aprovar a reforma da Previdência Social. Li a notícia, e não tem nada de mais. A não ser o fato de que foi dita pelo filho do presidente eleito que a imprensa imagina que ele tenha informações que ninguém mais tem. Na própria notícia, o presidente eleito explica que a coisa não é bem assim como foi dita pelo filho. Deixando de lado a saia justa que os três filhos colocaram no pai durante a campanha eleitoral – há um farto material disponível na internet. A situação agora é outra.
E qual é a situação? Nós, repórteres, temos que explicar ao nosso leitor qual é o papel dos três filhos no governo. Uma coisa foi a campanha política. Outra coisa é o exercício da presidência da República pelo pai deles. Se eles forem ministros, ou tiverem qualquer outro cargo que os autorize a falar pelo governo, tudo bem. Mas ser filho do presidente não os autoriza a falar pelo governo federal. E, se Bolsonaro está repartindo segredos governamentais com os filhos, ele está cometendo um crime previsto em lei. Ou seja: quem foi eleito presidente do Brasil não foi a família. Foi o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro. Para nós, repórteres, Eduardo, Carlos e Flávio “caíram do céu”, porque adoram falar bravatas, e, pelo fato de serem filhos do eleito, tudo que falam é notícia com potencial de ser manchete de capa. Agora temos que ter bem claro que o nosso leitor espera que nós o ajudemos a compreender o que está acontecendo. E podemos começar explicando que ser filho do Bolsonaro não é cargo no governo federal.
Se o roteiro da relação do presidente eleito com a imprensa for cumprido, nós, repórteres, “vamos comer o pão que o diabo amassou”, como diz o dito popular. Ele vai usar as redes sociais para fazer os seus comunicados e a “mídia amiga” para conversas sobre banalidades, como as de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos e ídolo do Bolsonaro. Mas há uma novidade que pode ser em nosso favor. O assédio dos repórteres, os espaços generosos nos noticiários de TVs, rádios, jornais e sites estão batendo na vaidade do grupo político do presidente eleito, em especial em Bolsonaro e nos seus filhos. Lembro que até há um ano e pouco, eles eram ilustres desconhecidos. O presidente eleito era visto por nós como um parlamentar exótico que defendia o legado da Ditadura Militar (1964 a 1985). Enquanto durar esse deslumbramento deles com a mídia, nós, repórteres, não podemos esquecer a quem nós representamos: o nosso leitor.
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