Não é preciso ser um gênio da estratégia da disputa política para saber que ia dar rolo. Foi o que pensei na segunda-feira (10), quando o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, 54 anos, foi homenageado pela Assembleia Legislativa de São Paulo e depois participou de um jantar com o governador paulista Tarcísio Freitas, 49 anos (Republicanos), no Palácio dos Bandeirantes. Os dois nasceram no mesmo berço político, o governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Com a benção e o apoio de Bolsonaro, Tarcísio elegeu-se governador e Campos Neto foi indicado para ser o primeiro presidente do BC autônomo. O que significa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não pode demiti-lo. Mas pode vociferar, no sentido de reclamar com veemência. É o que Lula tem feito. Não deixa passar uma oportunidade de simplificar as causas do BC manter os juros altos, acusando Campos Neto de prejudicar a economia do país. No dia seguinte ao jantar, vasculhei os noticiários em busca de um pronunciamento de Lula sobre o encontro entre Tarcísio e Campos Neto. Não achei nada significativo. Fiquei surpreso porque Lula não deixa passar uma chance de atirar pedras no presidente do BC. Alinhei alguns motivos na busca de uma explicação para o silêncio do presidente da República sobre o encontro. Um dos motivos é que o mandato de Campos Neto termina no fim do ano, o que significa que já está tomando “café frio” – uma gíria usada nas redações para destacar a perda da importância dos ocupantes de cargos públicos no fim do mandato. Dentro desse raciocínio, pode-se concluir que Campos Neto foi ao jantar pedir emprego a Tarcísio. Estava enganado. É sobre isso que vamos conversar.
Na terça-feira (18), uma semana após o jantar no Palácio dos Bandeirantes, Lula falou sobre o encontro durante o Jornal da CBN, emissora de rádio do Grupo Globo. A terça-feira não foi um dia qualquer. Era véspera da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC para discutir a nova taxa de juros. Portanto, toda a imprensa estava atenta às palavras de Lula. Durante 50 minutos, o presidente respondeu para os apresentadores Mílton Junge e Cássia Godoy perguntas sobre isenção fiscal, emprego, educação, aborto e investimentos. Nos primeiros 15 minutos de programa, os apresentadores indagaram Lula sobre o encontro entre Tarcísio e Campos Neto. O presidente não falou de modo indignado. Lembro que se essa bronca fosse com o ex-governador Leonel Brizola (2004), do antigo PTB, ele chamaria Campos Neto de “filhote da ditadura” – por ser o atual presidente do BC neto do economista Roberto Campos (1917-2001), que foi ministro do Planejamento no governo de Castelo Branco (1964 a 1967). Lula respondeu às perguntas sobre o jantar sem alterar o tom da voz. Falou como se fosse um professor. Disse: “Ele tem lado político”, referindo-se às ligações de Campos Neto com o bolsonarismo. Durante o resto do programa, sempre que aparecia uma oportunidade, Lula falava sobre o significado do encontro entre o governador de São Paulo e o presidente do BC. Em uma dessas oportunidades, disse sobre o perfil que é exigido da pessoa que ocupar o cargo de presidente do BC: “Tem que ser uma pessoa que tenha honra, que cuida da política monetária do país e seja tranquilo nas suas análises”.
Lula lembrou que o comportamento de Campos Neto era semelhante ao do ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) Sergio Moro, da Operação Lava Jato. Disse o presidente da República: “Moro pousava de símbolo da combate à corrupção quando na verdade tinha o rabo preso com a candidatura presidencial de Bolsonaro. De quem foi ministro da Justiça e Segurança Pública”. Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, rebateu Lula – toda a entrevista está disponível na internet. No final do programa, a ideia que fica é que Campos Neto está boicotando a economia nacional. Os defensores do presidente do BC afirmam que ele é extremamente técnico no exercício do seu cargo. Na teoria, existe tal separação entre técnico e político. Na prática, isso é conversa fiada. Escrevi sobre o assunto em 14 de abril de 2023 no post O custo para os brasileiros dos 15 minutos de fama do presidente do BC. Um mês e algumas semana depois, em junho, publiquei outro post: Até onde o presidente do BC vai esticar a corda dos juros altos? Nos meses seguintes, em agosto, o Copom iniciou uma série de sete reduções da taxa de juros, que caiu de 13,75% para 10,5%. A expectativa dos operadores do mercado financeiro para a reunião do BC na quarta-feira (19) era de que a taxa fosse mantida. A imprensa especulava sobre a influência que teria entre os oito diretores do BC, sendo que quatro foram escolhidos pelo governo atual, o xingamento feito por Lula na CBN contra Campos Neto. Os diretores decidiram por unanimidade manter a taxa de juros em 10,5%. O presidente do BC decide os casos de empate, como aconteceu na reunião de maio – há matérias na internet.
Lula é um político experiente, que começou a sua carreira como presidente sindical. Sabia que não tinha chances de influenciar os diretores do BC. Exerceu o seu direito de xingar Campos Netos e alertou, mais uma vez, os brasileiros que o presidente do BC é um enclave bolsonarista dentro do seu governo. O que relatei faz parte do jogo da disputa política. Há um fato que nós jornalistas precisamos nos dar conta. A campanha eleitoral de 2026 já começou. Tarcísio disputa, com vários outros candidatos, o apoio de Bolsonaro para concorrer ao cargo de presidente da República. O ex-presidente foi declarado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não é uma disputa fácil porque Bolsonaro é uma pessoa imprevisível. Geralmente decide as coisas no último minuto. O fato é que o governador de São Paulo está no páreo e tenta se cacifar para ser o indicado. Dentro dessa realidade, qual foi a sua intenção em se aproximar de Campos Neto? Ainda não está claro. Mas uma coisa podemos afirmar. As ligações da família do presidente do BC com os militares que deram o golpe de estado em 1964 é o tipo de coisa que tem valor para Bolsonaro. Como diziam os repórteres da editoria de política nos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações: “Não tem jantar de graça”.