Foi em 2016, quando começou a tramitar e tomar corpo no Congresso o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), que passou a circular nas redações dos jornais e nas mesas dos botecos frequentados por jornalistas a conversa sobre uma interpretação do Artigo 142 da Constituição que atribuiria o poder moderador para as Forças Armadas decidirem eventuais conflitos entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Não levei a sério a conversa porque a Constituição, publicada em 1988, foi elaborada, direta e indiretamente, por políticos do calibre de Ulysses Guimarães (1916-1992), Leonel Brizola (1922-2004) e o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles não deixariam uma porta aberta que facilitasse a volta dos militares que deram o golpe de estado em 1964 e ficaram no poder até 1985, deixando um rastro de crimes contra opositores políticos e incompetência administrativa. A presidente Dilma foi cassada. Em 31 agosto de 2016, assumiu o seu vice, Michel Temer, 83 anos (MDB). No início de 2019, assumiu a Presidência da República Jair Bolsonaro (PL), capitão do Exército reformado que fez carreira na política defendendo os ideais dos torturadores do golpe militar. O seu vice foi o general da reserva Hamilton Mourão, uma figura decorativa no governo.
No dia seguinte ao sentar-se na cadeira de presidente do Brasil, Bolsonaro começou a articular um golpe de estado. Inflando entre os seus seguidores e simpatizantes a história do poder moderador das Forças Armadas. Vários juristas publicaram artigos e participaram de seminários defendendo a ideia. Do outro lado, também juristas renomados, professores universitários, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e cientistas políticos falavam que tal poder não existia. Aqui um esclarecimento que julgo necessário. Não vou citar os artigos e seus autores contra e favor do tal poder moderador das Forças Armados por dois motivos. Primeiro, porque estão disponíveis na internet. E, segundo, porque o foco da nossa conversa é outro. O nosso foco é o seguinte. Os 559 parlamentares (26 mulheres) que negociaram e escreveram a Constituição foram bem claros. Existem três poderes no Brasil: Executivo, Legislativo e Judiciário. Tomaram todos os cuidados técnicos e políticos para não deixar uma porta aberta no texto constitucional que facilitasse a volta dos militares. Vejam bem: eles tomaram todos os cuidados técnicos e políticos na construção do texto constitucional. Mas não poderiam ter previsto duas coisas. A primeira foi o surgimento e a popularização da internet, dos telefones celulares e das redes sociais. E, por último, a rearticulação internacional da extrema direita ao estilo do nazismo dos anos 30, na Alemanha de Adolf Hitler, e do fascismo, na Itália de Benito Mussolini, os dois artífices da Segunda Guerra Mundial, um conflito que deixou um rastro de 70 milhões de mortos. Nos dias atuais, pessoas como Steve Bannon, ex-assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), montaram uma verdadeira máquina de fake news que transforma mentiras em verdades. No Brasil, o ex-presidente Bolsonaro é o representante maior da extrema direita. Um dos fios da linha que costurou a tentativa de golpe de Bolsonaro foi a história do poder moderador das Forças Armadas. Vendeu essa ideia e, por conta disso, no dia 8 de janeiro de 2023 centenas dos seus seguidores quebraram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no STF, em Brasília (DF).
Pode parecer chover no molhado. Mas é importante o fato de 11 ministros do STF estarem julgando a existência, ou não, na Constituição do poder moderador das Forças Armadas. Porque na atual realidade a maioria da população é consumidora de fake news. Os ministros já formaram maioria reafirmando que tal poder moderador não existe. Aqui é o seguinte. A riqueza de detalhes dos votos dos ministros é uma leitura obrigatória para jornalistas e professores das faculdades. Tudo pode ser encontrado na internet. Reafirmar o óbvio e acrescentar “riquezas de detalhes” é uma marca do nosso tempo. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, e outros altos oficiais da Marinha e da Força Aérea Brasileira (FAB) concordaram e reafirmaram a posição legalista dos militares. Em dezembro de 2023 fiz o post PEC dos militares evita que Brasil se transforme em uma república de bananas. Em síntese, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 21/21 disciplina o que o militar da ativa pode e não pode fazer na vida civil – há matérias na internet. É o seguinte. As Forças Armadas do Brasil começaram a trilhar um caminho de profissionalização que não tem retorno. Porque são enormes os desafios que as tropas têm para proteger as fronteiras do país.
O inimigo não são as forças armadas dos países vizinhos. Mas organizações criminosas com um imenso poder de fogo e serviços de inteligência ao seu dispor, que usam o território nacional para transportar drogas, especialmente cocaína, para os grandes mercados consumidores dos Estados Unidos e da Europa. Essas organizações estão investindo pesado nos garimpos clandestinos nas terras indígenas da Floresta Amazônica. Os soldados brasileiros são treinados para guerras convencionais. E o inimigo não é tradicional. Muito pelo contrário, é formado por mercenários muito bem treinados em vários cantos do mundo. Para enfrentar essa nova realidade, as Forças Armadas precisarão ser reequipadas, o que significa que a indústria bélica nacional deve ampliar os seus quadros de profissionais. Ao redor do mundo, esse tipo de indústria gera tecnologia de ponta.