No meio da enxurrada de informações despejadas pelos jornais no colo dos leitores sobre a prisão preventiva, por obstrução da Justiça, feita pela Polícia Federal (PF) do general da reserva Walter Braga Netto, 67 anos, no sábado (14), uma delas precisa urgentemente ser melhor explicada pela imprensa: a origem do dinheiro que financiou a Operação Punhal Verde Amarelo. A operação foi uma tentativa de golpe de estado que tinha como objetivo impedir que assumissem a Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos, e o seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), 72 anos. Braga Netto foi candidato a vice na chapa do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tentou a reeleição no pleito de outubro de 2022. Um dos objetivos do plano era o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, 56 anos, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Essas mortes seriam um dos elos de uma corrente de episódios que tinham como objetivo semear o caos no país. Vou citar três episódios do plano que considero importantes: a tentativa de invasão da sede da PF, em Brasília, a colocação de uma bomba em um caminhão-tanque carregado com 60 mil litros de combustível de aviação no Aeroporto Internacional de Brasília e a invasão e depredação, por bolsonaristas, em 8 de janeiro de 2023, do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF, na Praça dos Três Poderes, na Capital Federal.
Todo o plano foi pensando e executado por um grupo de Kids Pretos, militares das Forças Especiais do Exército. Um deles, o major Rafael Martins de Oliveira, pediu ao tenente-coronel Mauro Cid, na época ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro, R$ 100 mil para cobrir as despesas dos Kids Pretos em Brasília. Na delação premiada feita por Cid à PF, ele disse o seguinte: “(…) o dinheiro veio do pessoal do agronegócio e o Braga Netto o entregou dentro de sacolas de vinho para os Kid Pretos”. Oliveira e outros quatro integrantes do grupo estão presos. São eles: o major Rodrigo Bezerra de Azevedo, o general da reserva Mario Fernandes, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima e o policial federal Wladimir Matos Soares. A busca pelos financiadores dos atentados contra a democracia é uma das prioridades da PF. Até agora, os que foram encontrados ou estão presos ou respondendo a processos na Justiça. As sacolas de vinho cheias de dinheiro entregues por Braga Netto aos Kids Pretos são uma outra história. Não se conhece o montante que havia nas sacolas. Da sua origem só sabemos o que o tenente-coronel Cid disse: “veio do pessoal do agronegócio”. E sobre isso que vamos falar.
O agronegócio é formado por uma imensidão de pessoas. É o principal pilar econômico dos estados do Sul, do Centro-Oeste e do interior de São Paulo. Caso o dinheiro tenha vindo mesmo do agronegócio, não sabemos se o doador sabia o destino da sua doação. Mas existe outra hipótese para a origem desse dinheiro que ainda não foi citada e que merece a atenção da imprensa. É o seguinte. Os garimpeiros e os madeireiros foram os grandes beneficiados pelas políticas de desmanche da fiscalização do meio ambiente do governo Bolsonaro. Ganharam milhões de dólares contrabandeando minerais (ouro e bauxita) e madeiras nobres para vários países ao redor do mundo. Esses crimes deixaram um enorme prejuízo para a Floresta Amazônica e seus povos, entre eles os índios yanomami, que vivem em uma reserva de 9 milhões de hectares na fronteira de Roraima com a Venezuela. Garimpeiros e madeireiros sempre estiveram presentes de maneira ilegal nesta área. Estive lá duas vezes, nos anos 90, fazendo reportagens. Com o desmonte, pelo então ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, 49 anos, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), centenas de garimpeiros e madeireiros entraram nas terras dos yanomami, deixando um rastro de destruição ambiental e os índios desnutridos e doentes. As fotos de yanomamis esqueléticos foram publicadas em vários jornais ao redor do mundo. Caso o dinheiro das sacolas de vinho tenha sido arrecadado entre os garimpeiros e madeireiros ilegais, toda essa história vira manchete internacional. Conheço muito bem as atividades clandestinas dos garimpeiros e madeireiros. Fiz reportagens sobre garimpos e derrubada ilegal da Floresta Amazônica no chamado Nortão do Mato Grosso, em Rondônia, em Roraima, no Acre, no Amazonas e no Pará. Nas eleições de 2022, eles elegeram vários deputados estaduais e federais. E nas eleições municipais de 2024, prefeitos e vereadores. Os garimpeiros e os madeireiros ilegais nunca estiveram tão organizados como estão nos dias atuais, graças ao dinheiro que ganharam com a desregulamentação das normas e leis ambientais pelo governo Bolsonaro. Inclusive, estiveram na manifestação de 8 de janeiro em Brasília.
Arrematando a nossa conversa. A história da prisão de Braga Netto é uma notícia forte. Ele é o primeiro general quatro estrelas do Brasil a ser preso. E foi preso por pertencer a uma organização criminosa que atentou contra a democracia brasileira. Não é pouca coisa. O inquérito da PF que investiga a tentativa de golpe tem 884 páginas. Braga Netto e outros oficiais de várias patentes (ativa, reserva e reformados) se aliaram a Bolsonaro com o objetivo de reforçar os seus salários. Os garimpeiros e os madeireiros ilegais também se aliaram ao ex-presidente para ganhar mais dinheiro. Coincidência?