Para se manter no poder, o presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), negociou com seus aliados a cabeça da Polícia Federal (PF), uma organização fundamental na cruzada nacional contra a corrupção, principalmente na força-tarefa da Operação Lava Jato. Na época em que a presidência da República foi ocupada por Dilma Rousseff (PT – RS), e Temer era vice-presidente, a maior crítica de vários setores do PT e dos partidos da base aliada era contra a falta de controle da PF pelo governo. No ano passado, o grupo político de Temer assumiu o governo depois de uma bem sucedida conspiração contra Dilma, que resultou no impeachment da presidente.
Ao assumir o governo no ano passado e até a semana passada, Temer não havia tocado na PF, em parte devido à pressão exercida pela grande popularidade da Operação Lava Jato. O delegado Leandro Daiello Coimbra, que assumiu em 2011 o cargo de diretor-geral da PF, foi mantido no cargo.
Na mesa de negociação do governo com seus apoiadores, a cabeça da PF é a joia da coroa. E Temer resolveu negociá-la porque não tem opção. Seu governo foi encurralado pela delação premiada do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, na Lava Jato. Temer precisa tocar as reformas econômicas, entre elas a da Previdência Social, e para isso precisa dos deputados e senadores da base aliada. Grande parte desses parlamentares enfrenta problemas com a Operação Lava Jato, incluindo Temer e vários de seus ministros. Os agentes da PF são o esteio das investigações da operação. Se o governo imobilizar a Federal, a Lava Jato vai ter grandes problemas.
Essa é a conjuntura. Para ter apoio, o governo precisa entregar a cabeça da PF. Mas, se fizer isso, a opinião pública grita. Portanto, é preciso agir com discrição e exatidão, duas qualidades abundantes no grupo político do Temer. A estratégia usada pelo governo para mexer na PF é sofisticada, a instituição é vinculada ao Ministério da Justiça e à Segurança Pública. Temer não demitiu o ministro da Justiça, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB – PR). Ele o transferiu para o Ministério da Transparência, que tinha como ministro o jurista Torquato Jardim, 67 anos, que agora ocupa o cargo de Serraglio. Aqui chamo a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente dos novatos, para um detalhe: onde estavam Serraglio e Torquato Jardim durante o Regime Militar (1964 a 1985)? Serraglio pertencia ao extinto Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que lutava contra os militares. E Torquato ocupou cargos burocráticos nos governos dos generais Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueredo, em que foi chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. O que significa isso? Torquato Jardim é um cumpridor de ordens que vêm dos seus superiores, e Serraglio é flexível porque depende dos votos dos seus eleitores.
E o grupo político do presidente Temer precisa de um cumpridor de ordens para dar certo a sua estratégia para mexer na PF. A estratégia tem como foco corroer a instituição por dentro. Daiello não é cabeça da PF. A cabeça é o recurso econômico, necessário para financiar as operações diárias de agentes, veículos e outros materiais. Outro ponto sensível são os agentes dos núcleos de análises e de inteligência das delegacias, que são as pessoas que buscam as informações usadas para estruturar os inquéritos. Todos esses recursos passam pela mesa do ministro da Justiça. Portanto o ministro não precisa derrubar Daiello para complicar a situação da PF. Mais ainda: as delegacias da Federal nas fronteiras do Brasil, especialmente as com o Paraguai, hoje estão passando por dificuldades – número de agentes e dinheiro para financiar operações – devido aos cortes no orçamento feitos pelo governo. Há um grito nacional pelo endurecimento da repressão nas fronteiras contra tráfico de drogas e armas. Se o novo ministro da Justiça resolver reforçar a ação da Federal nas fronteiras, ele irá tirar dinheiro de onde?
Os grupos políticos que estão disputando o poder no Brasil vivem um momento de apostas altas. A cabeça da PF vale muito.