Como se fosse um jogo decisivo da Seleção Brasileira, os brasileiros assistiram, na noite de quarta-feira, no horário nobre da televisão aberta, a votação na Câmara dos Deputados da denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de corrupção contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP). Ainda usando o linguajar do futebol, Temer passou um trator por cima da oposição e conseguiu barrar a denúncia do MPF, por 263 votos (eram necessários 172 para vencer) a 227. Se perdesse, ele seria afastado do cargo por 180 dias (assumiria o presidente da Câmara) para responder as denúncias no Supremo Tribunal Federal (STF).
Usando o jargão das redações, eu afirmo que foi um dia que ficará na história do Brasil. Chamo a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente dos novatos, para o compromisso que temos com os nossos leitores de explicar, de maneira simples e direta, as entrelinhas – aquilo que foi dito ou escrito nos noticiários de maneira subliminar.
A melhor maneira de explicar as entrelinhas aos nossos leitores é fazendo uma perícia do que aconteceu na quarta-feira. Aos fatos: o grupo político de Temer, que tem como núcleo os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretária-Geral da Presidência), dois astutos políticos e conspiradores natos, tem como estratégia de ação agir nas sombras e se aliar ao maior inimigo do seu inimigo – uma lição da história que sempre funciona: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Na conspiração que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT – RS), o grupo fez uma aliança com então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), que com suas “pautas-bomba” – projetos que significariam despesas para o governo federal – conseguiu impedir a votação de matérias importantes para a já combalida economia nacional. Dilma foi substituída pelo seu vice, Temer. Cunha teve o seu mandato cassado, foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, a 15 anos de cadeia e cumpre pena na Região Metropolitana de Curitiba (PR).
A oposição a Temer – que é formada por uma aliança estratégica de vários grupos políticos – aprendeu a lição deixada pelo impeachment de Dilma. E lançou luzes nas sombras que acobertavam as articulações do presidente da República. O primeiro passo que a denúncia deu na Câmara foi na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ela foi aceita e foi feito um relatório – não decide, mas que tem influência na votação em plenário, que é decisiva. As manobras governamentais – distribuição de emendas parlamentares e troca de deputados (contrários por favoráveis) – foram explicadas ao público pela oposição de maneira didática – por exemplo: a relação da falta de dinheiro para colocar gasolina nos tanques das viaturas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com a gastança com as emendas. Temer venceu. Mas ficou claro para a opinião pública como ele venceu.
A estratégia da oposição de retirar as sombras que cobriam as articulações foi percebida pelo grupo de Temer, que contra-atacou espalhando fake news – notícias falsas. Uma delas dizia que, se pudesse, até a oposição votaria para Temer ficar no cargo para não se queimar com o eleitor (tem eleição no próximo ano), administrando um país com 14 milhões de desempregados, entre outros problemas. Basta olhar para a diversificação da economia e o tamanho do país para ver que a notícia é um absurdo. Ter a máquina do governo na mão tem um enorme peso na disputa eleitoral. Aqui, eu quero chamar atenção dos meus colegas novatos. Hoje, nós somos muitos vulneráveis às fake news porque as coberturas acontecem online e, por conta da concorrência, não existe mais o tempo de verificar se a informação é verdadeira. Os estrategistas políticos sabem disso e usam contra nós.
A oposição seguiu na sua estratégia. Um dos pilares da estratégia é a aposta que a Operação Lava Jato criou um ambiente novo no Brasil, que exige dos políticos e dos empresários transparência nas ações e na honestidade no manejo da coisa pública. E, para os que transgredirem a lei, cadeia. Mais ainda: faltando dois dias para a votação, foi divulgada uma pesquisa do Ibope que mostrava que 81% dos brasileiros queriam que os deputados votassem pela aceitação da denúncia. Acrescento o fato de que a votação foi transmitida pela TV aberta em horário nobre. Não é por nada que, durante as trocas de ofensas entre nos deputados no plenário, vários parlamentares da oposição lembraram o “Homem da Mala” – o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que era assessor de Temer e foi designado por ele para receber uma propina de R$ 500 mil do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator da Lava Jato. O vídeo feito pela Polícia Federal (PF) do Loures correndo pelas ruas de São Paulo com a mala de dinheiro é visto várias vezes durante o dia nos noticiários.
A imagem da mala de dinheiro colou no Temer e virou um símbolo da corrupção do seu governo. A aposição apostou que a história da mala de dinheiro iria constranger os deputados de votar no Temer, na frente de milhares de telespectadores. Até constrangeu. Mas o presidente Temer venceu. E, ao vencer, ele entrou na história. Temer é o primeiro a sobreviver à Operação Lava Jato. Todos os outros políticos e empresários que tentaram acabaram na cadeia. O processo fica parado até o presidente e o seu grupo saírem do governo. Mas aí já é outra história.
A oposição também teve um ganho importante: a transmissão ao vivo da TV aberta, em horário nobre, deixou o chamado “efeito pedagógico” – informações valiosas do que está acontecendo – a milhares de telespectadores. Há um fato sobre o silêncio das ruas – tanto contra quanto a favor do governo – que está nas entrelinhas. Mas ainda não foi dito abertamente. O fato é que os dois lados – situação e oposição – estão sem dinheiro para articular as manifestações, que custam caro. A explicação para os dois lados estarem com falta de dinheiro pode ser encontrada nas páginas das delações premiadas da Lava Jato.