A decadência das redações e a diminuição do número de alunos cursando jornalismo apontam na direção da extinção da profissão de repórter? Nas palestras que tenho feito sobre o futuro da reportagem nas universidades, nas redações dos pequenos e médios jornais espalhados pelo interior do país e nos movimentos sociais, essa pergunta acaba sendo o centro da conversa. Por conta dessa insistência na pergunta, eu mergulhei fundo para poder conversar sobre o assunto. Especialmente com os pais preocupados com o futuro dos filhos, principalmente com os que vão tirar da renda familiar a mensalidade da faculdade de jornalismo.
Antes de seguir contando a história. Lembro que, em 1973, quando cheguei para a minha mãe, dona Loni, que mora em Encruzilhada do Sul, pequena cidade agrícola no sul do Estado, e disse que iria fazer vestibular para jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela fez um comentário que não esqueço até hoje, 44 anos depois:
— Perdi um filho para a bebida.
Para a geração da dona Loni, que nasceu em 1936, os jornalistas tinham fama de bêbados, boêmios, comunistas e de “língua de lavadeira’ – no linguajar dos velhos do interior gaúcho, significa falar mal dos outros. Em linhas gerais, era essa a ideia que os pais da minha geração de repórter tinham a nosso respeito. A preocupação dos pais da geração de repórteres que entra na faculdade no próximo ano é se ainda existirá a profissão quando o filho acabar o curso. O que vou escrever a seguir não é opinião, é informação. Tenho 67 anos, 40 como repórter investigativo, um currículo a preservar e não seria irresponsável de conversar com pais aflitos sobre o futuro do filho baseado em “eu penso que é”.
Vamos aos fatos. Sobre a decadência das redações. Não é exclusividade do Brasil, ela está acontecendo ao redor do mundo, principalmente nos países desenvolvidos como Estados Unidos. Ela acontece por conta da diminuição nos lucros do negócio, trazido pelo surgimento de novas mídias que baratearam o custo dos anúncios, um dos esteios da sustentação dos jornais. Isso levou os donos de jornais a investir em outros negócios. Mas, aqui no Brasil, há uma particularidade nesse assunto que merece ser destrinchada. Ao contrário dos Estados Unidos e de países europeus, tipo Alemanha e França, o Brasil é um país em formação. Portanto, carente de informações. Portanto, os donos dos jornais brasileiros, ao seguirem a receita dos países desenvolvidos de enxugar as redações para viabilizar os negócios, revelaram um desconhecimento brutal da realidade do mercado de informações brasileiro – que é enorme, diversificado e ainda tem muitas fronteiras para serem ocupadas. O caminho correto seria tornar as redações mais eficientes e não destruí-las. A cobertura que está sendo feita da Operação Lava Jato é uma prova dessa situação. Não existe um brasileiro não queira saber o que exatamente está acontecendo. E nós só publicamos relatórios oficiais por falta de gente para fazer investigação própria – há vasto material sobre o assunto disponível na internet.
A decadência das redações no Brasil acabou salvando a profissão de repórter, porque ela criou um novo mercado para a profissão: o de empreendedor. A minha geração de repórter foi educada na faculdade para ser empregado. Não tinha como terminar o curso e não bater na porta de uma redação em busca de trabalho. Era isso, ou virar “chapa branca” – apelido maldoso da época para quem fazia assessoria de imprensa para os órgãos de governo. Hoje a realidade é outra. As novas tecnologias abriram uma fronteira fantástica de trabalho para as novas gerações de repórter. Lembro o seguinte: em 1995, eu viajei durante 60 dias pelo interior do Brasil para contar a saga dos gaúchos que tinham colonizado as novas fronteiras agrícolas. Eles construíram pequenas e médias cidades agrícolas ricas e, na época, carentes da presença de um meio de comunicação local.
Na época, as únicas informações que chegavam às novas fronteiras agrícolas eram pelos noticiários das TVs, para os que usavam antena parabólica. Claro, o conteúdo dos noticiários não tinha nada a ver com a realidade local. No ano seguinte, eu publiquei a história toda em uma série de reportagens chamado “O Brasil de Bombachas”, que se tornou um livro. Em 2011. eu fiz novamente o roteiro para contar a história dos filhos dos pioneiros. O que encontrei? Dezenas de jornalistas ganhando dinheiro com pequenos sites focados em notícias locais. Relatei tudo na reportagem “O Brasil de Bombachas – As novas fronteiras da saga gaúcha”, que também se tornou um livro. As fronteiras agrícolas povoadas pelos agricultores do Sul são hoje o coração do agronegócio, um dos motores da economia nacional.
O enxugamento das redações também criou o esteio da consolidação de um novo negócio para os jovens jornalistas: as agências de conteúdo. Pequenas empresas onde dois ou três profissionais prestam serviços de texto e imagem. Aqui lembro o seguinte. Nos anos 90, eu fui para Angola fazer uma reportagem sobre a guerra civil, um sanguinário confronto entre tropas do governo e da guerrilha que durou anos. Na época, encontrei correspondentes de guerra de vários países. Todos eles, menos a equipe chinesa, eram freelancers – trabalhavam por conta própria e vendiam a produção para os grandes jornais europeus e americanos. O mundo já estava mudando. Nós é que não sabíamos. Lembro que, nos anos 90, o jornalista que montasse o próprio negócio era chamado pelos colegas de “picareta”.
Há inúmeros estudos e livros sobre tudo que relatei. Não tenho dúvida alguma ao afirmar aos pais que vale a pena investir no sonho dos filhos de serem jornalistas. Se a atual geração de donos de jornais não sabe mais ganhar dinheiro, não é problema deles. Não podemos deixar os nossos jovens repórteres serem prematuramente liquidados pela decadência das redações. E qual é o papel dos repórteres velhos que conseguiram fazer história na carreira? Nós temos obrigação de compartilhar o nosso conhecimento com as novas gerações de repórteres, seja virando professores nas universidades, seja fazendo blogs, vídeos e palestras ou trocando ideias nas mesas dos botecos em troca de cerveja. Viu? A dona Loni tinha razões para se preocupar comigo. Adoro conversar sobre jornalismo tomando cerveja nos botecos.
Carlos Wagner é uma das boas razões para nós, operários da informação, se encher de orgulho ao responder JORNALISTA, quando nos perguntam qual a nossa profissão. No início dos anos 90, no Rio Grande do Sul, tive aulas práticas de jornalismo. Eu era um dos colegas de rua desse premiado e reconhecido repórter que prestavam atenção em sua prática e postura ética durante uma reportagem. O cara foi meu professor e, certamente, nem se dava conta disso. O convívio foi pouco, mas o suficiente pra eu absorver alguns importantes ensinamentos. Lembro de uma cobertura em Não Me Toque (sim, é uma cidade gaúcha, a 10 Km de Carazinho – terra natal de Leonel Brizola). O MST havia ocupado uma fazenda da Embrapa, especializada na produção de mel. Logo, repleta de abelhas. Os sem-terra ameaçavam abrir as caixas com as abelhinhas caso a Brigada Militar invadisse a área. Eis que um “brigadiano” (PM) pergunta a Wagner se ele poderia ajudar nas negociações entre a força de segurança e os invasores/ocupantes (na época, não era politicamente falar invasor). Era coisa simples, quase que levar um recado. Naquele dia, não tive dúvida sobre qual a função, o papel… de um jornalista diante de um fato. Além de se recusar a “ajudar” no desenrolar do fato, o então repórter especial de Zero Hora explicou, de forma clara, que ele estava ali para narrar os acontecimentos, e não interferir nos fatos, muito menos fazer parte deles. O Brigadiano parece ter entendido a explicação. E o jovem repórter do TJ Brasil (Boris Casoy-SBT) guardou para sempre a mensagem. Aqui vai meu agradecimento… Inclusive à oportunidade de fazer esse relato e reverência um baita profissional!
Carlos Wagner é uma das boas razões para nós, operários da informação, nos enchermos de orgulho ao responder JORNALISTA, quando nos perguntam qual a nossa profissão. No início dos anos 90, no Rio Grande do Sul, tive aulas práticas de jornalismo. Eu era um dos colegas de rua desse premiado e reconhecido repórter que prestavam atenção em sua prática e postura ética durante uma reportagem. O cara foi meu professor e, certamente, nem se dava conta disso. O convívio foi pouco, mas o suficiente pra eu absorver alguns importantes ensinamentos. Lembro de uma cobertura em Não Me Toque (sim, é uma cidade gaúcha, a 10 Km de Carazinho – terra natal de Leonel Brizola). O MST havia ocupado uma fazenda da Embrapa, especializada na produção de mel. Logo, repleta de abelhas. Os sem-terra ameaçavam abrir as caixas com as abelhinhas caso a Brigada Militar invadisse a área. Eis que um “brigadiano” (PM) pergunta a Wagner se ele poderia ajudar nas negociações entre a força de segurança e os invasores/ocupantes (na época, não era politicamente falar invasor). Era coisa simples, quase que levar um recado. Naquele dia, não tive dúvida sobre qual a função, o papel… de um jornalista. Além de se recusar a “ajudar” no desenrolar do fato, o então repórter especial de Zero Hora explicou, de forma clara, que ele estava ali para narrar os acontecimentos, e não interferir e muito menos fazer parte deles. O Brigadiano parece ter entendido a explicação. E o jovem repórter do TJ Brasil (Boris Casoy-SBT) guardou para sempre a mensagem. Aqui vai meu agradecimento… Inclusive à oportunidade de fazer esse relato e reverência a um baita profissional!
Cara, eu só tenho a te agradecer pela lembrança e fica feliz por ver o amigo no caminho da reportagem. Abs.
Foi uma honra poder contar essa história…
Enquanto li teu texto fui consultar a densidade da Ufrgs. Jornalismo, nos anos em que fiz vestibular – 2004 e 2005 – tinha 50 vagas e 19 candidatos por vaga. No de 2018, são 35 vagas, cada uma disputada por 12 candidatos. Não sei se há um certo desencanto com a profissão ou um certo pensamento quanto a necessidade de se fazer uma faculdade, cujo diploma não é exigido. Porém, acho que para ser repórter é muito necessário uma (boa) faculdade
É o seguinte: não se trata com desencanto da profissão. Mas com a qualidade do ensino das faculdades. Lembro o seguinte: as empresas não contratam quem não tem diploma porque a nossa profissão foi judicalizada. Os caras os processam por tudo. Imagina colocar um cara que não foi ensinado na faculdade as questões éticas e outras…
Um excelente artigo,e chama atenção para o vícios das publicações relatórios oficiais por falta de gente para fazer investigação própria.
É o jornalismo declaratório misturado com o jornalismo preguiçoso que pouco compromissado com a verdade.
Há um livro publicado por um colega repórter, hoje professor da UNB, chamado Os novos escritas, que foi publicado nos anos 90, se não me falha a memória, que já falava do tipo de apuração jornalística que temos hoje.