O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), resolveu fazer da montagem do seu partido, Aliança pelo Brasil, uma demonstração da força da sua popularidade. Alguém convenceu o presidente de que ele é um mito, como dizia o principal bordão da sua propaganda durante as eleições. O prazo para oficializar o novo partido para que consiga concorrer nas eleições municipais de 2020 é 4 de abril (seis meses antes do pleito). Uma das exigências é coletar até lá 500 mil assinaturas de filiados. O grupo político do presidente acredita que é possível desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceite assinaturas eletrônicas. Mesmo que o TSE aceite, o tempo é curto. Perguntado sobre o que faria se não conseguisse legalizar o partido em tempo hábil de concorrer nas disputas municipais, Bolsonaro respondeu: “Então, eu não participo”.
Aqui tem duas questões envolvidas. A primeira: Bolsonaro e todo mundo sabem que as eleições municipais serão um confronto direto entre o prestígio político dele e o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Vários apoiadores da então candidatura Bolsonaro à Presidência da República colocaram tempo e dinheiro na campanha para ter o apoio dele no pleito municipal. Ainda mais agora que Lula está em liberdade após cumprir 580 dias de uma pena de oito anos à qual foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro – há uma vastidão de informações na internet. Isso não está escrito em lugar nenhum, mas pode ser encontrado nas entrelinhas dos conteúdos dos noticiários. Bolsonaro acredita que seus seguidores vão viabilizar o partido dentro do prazo determinado pela lei. Mas e se não viabilizarem?
A resposta a essa pergunta é a segunda questão envolvida na criação do novo partido. Pela primeira vez desde que o país se redemocratizou, em 1985, depois de uma ditadura militar que durou 21 anos, temos um presidente da República sem partido. Acrescentamos a isso mais um fato: jamais o Brasil viveu um período em que o conceito da maioria dos partidos perante a população esteve tão em baixa como atualmente, principalmente pela descoberta de um vasto sistema de corrupção feito pela Operação Lava Jato – há material na internet. Dentro desse contexto, não ter partido é uma boa bandeira para o grupo político de Bolsonaro.
Com diferenças, mas tendo um pano de fundo muito semelhante, em 1961 o então presidente Jânio Quadros, alegando não poder governar devido a “forças ocultas”, renunciou ao seu mandato com apenas oito meses no cargo. Jânio era conhecido como o “homem da vassoura” por ter se elegido prometendo varrer a corrupção do Brasil. Renunciou apostando que voltaria ao poder empurrado pelo povo e que, com isso, enfiaria goela abaixo dos partidos o seu governo. Não voltou. Mas abriu espaço para o golpe militar de 1964. Aqui tem mais uma pergunta: será que Bolsonaro acredita que o seu apoio popular é grande o suficiente para não precisar dos partidos?
O tempo vai responder a essa pergunta. Mas um detalhado exame nas entrelinhas e nas falas feitas fora do contexto pelo presidente tem mostrando que Bolsonaro está percorrendo o caminho já trilhado por Jânio Quadros. Claro, os tempos são outros. As diferenças entre Bolsonaro e Jânio são enormes e muito distantes no tempo. Uma das maiores é que o atual presidente tem o apoio das Forças Armadas, não só por ser capitão da reserva do Exército, mas pela sua identificação política e ideológica com o golpe de 64. Além das Forças Armadas, tem o apoio das polícias militares do Brasil, que fizeram campanha para ele.
Observando o conteúdo dos noticiários sobre a história de Bolsonaro e do seu novo partido, salta aos olhos a importância que estamos dando a coisas tipo o número da nova agremiação, 38, que é o calibre de um revólver conhecido entre os repórteres que fazem cobertura policial como “três oitão”. Mas e o que nós não estamos vendo? Sabemos das ligações do presidente com as Forças Armadas, o seu governo está cheio de generais. E com as polícias militares, o que sabemos? Pouco ou quase nada. Eu acompanho todos os conteúdos jornalísticos publicados sobre o presidente, até os da Voz do Brasil. O governo Bolsonaro é formado por vários grupos políticos unidos pelo inimigo comum: o PT e tudo que é de esquerda. Eles não agem obedecendo a um plano já traçado. Mas se adaptando à conjuntura política do dia a dia. Portanto, até as bobagens que Bolsonaro e seus ministros dizem têm sentido. A experiência de quase um ano observando a maneira como as coisas são feitas no governo já nos deu uma segurança razoável para ver o que acontece nos cantos escuros dos gabinetes governamentais.
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