Jornalistas não podem deixar o cavalo passar encilhado

O atual momento do mercado de trabalho dos jornalistas exige que o repórter seja um estrategista para administra a sua carreira. Um erro pode custar a carreira. Foto: reprodução

Entre os gaúchos do interior há um dito popular que vem varando o tempo: “Cavalo encilhado (com sela) não passa duas vezes”. É a maneira de dizer que, quando a vida nos apresenta uma boa oportunidade, devemos aproveitá-la, pois ela pode não se oferecer novamente.

Vou falar sobre dois cavalos encilhados (ou seja, duas oportunidades) que estão passando. O primeiro diante das pequenas e médias empresas de comunicação (jornais, rádios e sites) do interior do Brasil. Para montá-lo, no entanto, estas precisam qualificar os seus conteúdos para atender seus leitores e ouvintes, principalmente aqueles que foram abandonados pelas grandes empresas de comunicação, que agora concentram suas atenções praticamente apenas às demandas das populações das regiões metropolitanas.

O segundo cavalo encilhado está se apresentando para os jovens que estão saindo das faculdades de comunicação e encontram um mercado de trabalho que já não oferece mais o emprego de carteira assinada nas redações dos grandes jornais, rádios e TVs, mas exigem deles o desafio de montar o seu próprio negócio.

Vamos ao primeiro dos cavalos encilhados, que passa pela necessidade dos jornais e rádios do interior de Brasil de qualificar os seus conteúdos. Vou citar um exemplo de cobertura: as queimadas da Floresta Amazônica. É o que chamamos de notícia “globalizada”. Ela interessa ao mundo todo, porque a região influencia o clima ao redor do planeta. E para os brasileiros em particular, porque a comunidade internacional pode atribuir os danos à floresta à irresponsabilidade do governo federal e retaliar com o fechamento de mercados para os nossos produtos, principalmente proteínas vegetais e animais produzidas pelo agronegócio.

As médias e pequenas empresas de comunicação do interior do Brasil hoje estão publicando o material distribuído pelas agências de notícia. Esses conteúdos não preenchem as necessidades dos seus leitores. Por quê? Um exemplo: a maior parte da região que está queimando foi povoada por migrantes do sul do Brasil, principalmente gaúchos, a partir dos anos 70 do século passado. As grandes, médias e pequenas empresas de agronegócio são de famílias sulistas. Portanto, muitos moradores do interior gaúcho têm interesse na Amazônia e precisam saber com precisão o que está acontecendo.

Aqui temos o problema. Essas médias e pequenas empresas de comunicação do interior do Brasil não têm dinheiro para montar uma equipe e enviá-la para uma cobertura na Floresta Amazônica. Por outro lado, o seu leitor precisa dessa informação pelos laços familiares e econômicos que mantém com a região que está queimando. Se ele não encontrar essa informação no jornal local ou no noticiário da rádio, é uma questão de tempo para cancelar a assinatura.

Vou fazer um parêntese. Comecei a trabalhar em jornal nos anos 70 na área de circulação, que era o setor encarregado de entregar os exemplares aos assinantes e de colocar o jornal nas bancas. Foi ali que ouvi dos veteranos a expressão “câncer na máquina”, usada pelo pessoal da circulação para dizer que o jornal estava perdendo relevância e seus leitores estavam indo embora. Portanto, “estava com os dias contados”. Lembro-me de ter ouvido de um cara, na época considerado o guru da circulação de jornais no Brasil, que uma empresa de comunicação começa a fechar uma década antes.

Voltando à história, vou falar sobre o segundo cavalo encilhado, que é a oportunidade que temos de nos organizar em pequenas empresas de conteúdos, produzirmos pacotes de cobertura e oferecermos para essas empresas. Temos dois fatos a nosso favor: há uma enormidade de profissionais calejados que foram demitidos das redações nos últimos anos. E também dezenas de jovens que estão sendo despejados no mercado pelas faculdades. Se unirmos os conhecimentos dos velhos repórteres com a facilidade de operar as novas tecnologias dos jovens, temos como fazer uma cobertura de alta qualidade a um preço baixo.

Lembro duas coisas: a primeira é que os repórteres que cobrem as guerras ao redor do mundo são quase sempre freelancers. Quando estive na Guerra Civil de Angola (1975 a 2002), na África, conversei muito com os repórteres “frilas”. Eles trabalhavam em grupo. E do dinheiro que ganhavam, reservavam uma parte para financiar a próxima cobertura. Um estilo de vida muito legal.

O segundo fato que vou lembrar aos meus colegas é que não existe mais emprego. Se quisermos continuar na profissão, temos que nos organizar e aproveitar as oportunidades que se apresentam. Nós vivemos de contar histórias. E por ser um país continental, histórias é que não falta nas terras brasileiras. O país se perfila entre os maiores produtores de alimentos – proteínas animal e vegetal – do mundo. Temos uma abundância de conflitos acontecendo em santuários ecológicos entre fazendeiros e sem-terra, índios e garimpeiros e ambientalistas e grileiros. Nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, é só chutar uma pedra e sai uma boa história. Não podemos deixar o cavalo passar encilhado. É simples assim.


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