As próximas 72 horas são decisivas para o futuro do caso do desaparecimento da contadora Sandra Mara Lovis, 48 anos, de Boa Vista das Missões, uma pequena cidade agrícola no Norte gaúcho. No dia 30 de janeiro, ela viajou 30 quilômetros até Palmeira das Missões para uma reunião de negócios. Nunca mais foi vista, e, na sexta-feira, o seu atual marido, presidente da Câmera de Vereadores de Boa Vista Paulo, Ivan Landfeldt (PSDB), foi preso preventivamente pela polícia, acusado de ser o mandante do desaparecimento da contadora. Também na sexta, um homem de 22 anos foi preso no Oeste de Santa Catarina, acusado de ser um dos capangas contratados pelo vereador para dar sumiço da mulher. Para o caso não perder força na Justiça e os suspeitos serem soltos nas próximas 72 horas, a polícia precisa apresentar uma prova concreta do caso: encontrar a contadora viva ou localizar o seu corpo.
Já vi suspeitos serem soltos, e casos acabar sem solução. Em 2005, eu trabalhei no caso do desaparecimento da comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, e do seu filho, Gabriel, sete anos. Ela havia marcado um encontro com o amante, um médico homeopata, que havia combinado reconhecer o menino como seu filho. Mãe e filho nunca mais foram vistos. O médico esteve preso durante 58 dias e acabou sendo libertado por falta de provas. Em 2015, acompanhei o desaparecimento da professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cláudia Hartleben, 47 anos. O ex-marido e filho dela foram indiciados no inquérito policial e denunciados pelo Ministério Público. A Justiça não aceitou a denúncia, os suspeitos estão soltos, e o caso, sem solução. No mês passado, na Região Metropolitana de Porto Alegre, o delegado Moacir Fermino acusou e conseguiu a decretação da prisão preventiva de sete pessoas por terem matado duas crianças em ritual satânico. No final do ano passado, os corpos das crianças, que eram irmãs, tinham sido achados esquartejados no interior de Novo Hamburgo. A investigação do delegado havia sido contaminada pela intolerância religiosa e acabou ruindo. Os suspeitos foram liberados, mas tiveram suas vidas pessoais e econômicas destruídas pelo erro policial e pelo “carnaval” que a imprensa fez no caso. A investigação sobre as morte das crianças voltou à estaca zero.
No caso do marido da contadora desaparecida, eu chamo a atenção dos meus colegas repórteres calejados e dos novatos para o seguinte. Lembramos que é normal, nos crimes que envolvem casais, o primeiro suspeito ser o sobrevivente. Isso faz parte da rotina policial. No caso do vereador, além de ser o suspeito natural, tinha contra ele depoimentos de familiares da desaparecida que o apontavam como suspeito devido a uma série de desentendimentos – financeiro e pessoal – entre o casal. Na última semana, os investigadores cruzaram as informações que tinham em todos os depoimentos do inquérito policial com dados coletados em campo. Montaram o quebra-cabeça e chamaram o marido para esclarecer alguns pontos sem explicação na investigação. Ele foi pego pelas contradições. Para finalizar o caso, a polícia terá que apresentar uma prova técnica para a Justiça – a contadora viva ou o seu corpo. Se os investigadores apresentarem esse prova técnica e, com isso, consolidarem a solução do caso, essa investigação entrará em outro estágio. Onde os policiais deverão responder para a Justiça a seguinte questão: o crime aconteceu por um problema pessoal entre o casal? Ou tem ligações com as quadrilhas que operam na região, no tráfico de drogas e cigarros falsificados vindos do Paraguai, falsificação de combustíveis e de crimes do colarinho branco? Se houver essa ligação, mais gente vai ser presa. De concreto, temos até agora dois suspeitos presos. Temos que ficar atentos para evitar que se repita o caso das crianças esquartejadas.
Teses, sensacionalismo e demais “achismos” deveriam ser banidos tanto da investigação policial quanto do jornalismo policial. Além do caso que você citou, há outros, nacionais, que recomendam muita cautela quando a matéria mexe com a reputação das pessoas. Três deles: os crimes da Rua Cuba, da Escola Base e do Bar Bodega. Quando imprensa sensacionalista e justiça irresponsável (aí compreendido polícia, ministério público e judiciário) se juntam, reputações e biografias descem a ladeira. Por isso, concordo plenamente com você. Não há no jornalismo nada mais imperativo que uma apuração profissional e serena, critérios cada vez mais insubstituíveis no fascinante mundo tecnológico em que vivemos.