O maior desafio na história da imprensa brasileira começa com a posse do presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL – RJ). Nós vamos ter que explicar ao nosso leitor, de uma maneira simples, direta e elegante, o cotidiano de uma administração que é formada por um grupo de pessoas raramente reunidas sob o mesmo teto. E eles vão tomar decisões que irão influenciar a vida diária dos nossos leitores. Até agora, nós usamos, para explicar os acontecimentos, nos conteúdos das nossas notícias, chavões do tipo: governo de esquerda, direita, centro etc. O grupo político de Bolsonaro não se enquadra nessa descrição. Precisamos ser mais precisos. E, para sermos mais precisos, é necessário estarmos atentos para uma das lições que aprendemos no cotidiano das redações: o início, o meio e o fim de um fato de interesse jornalístico não obedecem ao calendário. Ele tem vida própria.
Vamos começar a nossa história por uma das estrelas do governo Bolsonaro: o ex-juiz federal Sérgio Moro, o homem que criou a Operação Lava Jato, que se tornou símbolo contra a corrupção, e que se demitiu para tornar-se ministro da Justiça e da Segurança Pública. Ele tem dito, e nós temos escrito, que a Lava Jato foi inspirada na Operação Mãos Limpas (1992 a 1996), na Itália. Mas não foi estudando a Mãos Limpas que o ministro traçou as linhas mestras da Lava Jato. Foi em 2005, quando trabalhou como auxiliar da ministra Rosa Weber, no Supremo Tribunal Federal ( STF), no julgamento do caso que ficou conhecido como Mensalão – há centenas de reportagens, documentos e vídeos sobre o caso disponíveis na internet. Diferentemente de todos os outros escândalos envolvendo parlamentares, ministros do governo e empresários, o Mensalão aconteceu em um momento da história brasileira em que a economia estava a todo vapor, e o governo do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) tinha quase 100% de aprovação popular. Com extrema habilidade, o ministro relator do processo, Joaquim Barbosa, conseguiu condenar 24 dos 40 processados. Entre os condenados, estava o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, um referencial para a esquerda brasileira – história dele está disponível na internet.
Foi no andamento do Mensalão que Moro aprendeu como as coisas funcionam no Brasil, onde foro privilegiado é quase um sinônimo de impunidade, por garantir para parlamentares e ministros julgamento de seus crimes no STF, que é bem mais lento do que a primeira instância da Justiça Federal. O conhecimento que nós, repórteres, temos dos bastidores desse escândalo é superficial. Os processos contam a história oficial desse evento. Mas o que interessa é a história não contada, porque ali estão os segredos que nos ajudarão a entender uma série de eventos, entre eles o sucesso da Lava Jato, que pavimentou a estrada da ascensão do ministro Moro. Bolsonaro se elegeu surfando na onda de moralidade criada pela Lava Jato. Isso é um fato. Todo governo tem uma “eminência parda” – expressão que se refere a um poderoso assessor ou conselheiro que atua “nos bastidores”. Quem é a do Bolsonaro?
O economista Paulo Guedes, 69 anos, que será o superministro da área econômica. O poder dele no governo não está no seu extenso currículo – disponível na internet. Mas no fato de que foi ele quem viu em Bolsonaro uma oportunidade de ter um candidato competitivo na disputa eleitoral pela presidência da República. Guedes poliu Bolsonaro, dando-lhe um discurso econômico ancorado na crise moral, política e econômica brasileira. Até então, o presidente eleito era uma figura exótica, que tinha o sonho de chegar lá. Portanto, o sucesso ou o fracasso do governo vai ter uma dose muito grande da relação pessoal entre Bolsonaro e Guedes. Até agora, o presidente eleito acumulou fracassos na sua vida profissional: como capitão do Exército, teve sorte de não ser expulso devido a sua indisciplina. E, nos seus quase 30 anos de parlamentar, não deixou nenhum projeto significativo. O seu primeiro grande sucesso foi ser eleito, graças a Guedes. O que vem pela frente agora é outra história.
Há outro personagem no grupo de Bolsonaro que as redações dos jornais costumam esquecer que existe, que é o vice-presidente, no caso, o general da reserva Hamilton Mourão. Antes de seguir contando a história. A mania que nós, repórteres, temos de só lembrar que existe um vice quando dá rolo já nos custou caro. Fomos descobrir que o vice da então presidente da República Dilma Rousseff (PT – RS) estava conspirando com o seu grupo político para assumir o cargo só quando já era fato consumado. Em 2016, Michel Temer conduziu com sucesso o impeachment de Dilma e assumiu o cargo – há farto material na internet. Mourão chamou a nossa atenção desde o primeiro instante. Mas chamou a nossa atenção para o lado exótico dele, tipo defensor de torturadores do Golpe Militar de 1964. Mas o que conhecemos do lado sério do general? Pouco coisa, do tipo teve uma carreira de sucesso no Exército. Não sabemos, por exemplo, qual é sua força entre os oficiais da ativa das Forças Armadas. Uma informação que nos interessa, porque, em caso de um impasse político entre Bolsonaro e a Câmara ou o Senado, o vice é o elo entre o governo e as Forças Armadas. Se ele chamar a Cavalaria, e ela atender, o ano de 2018 não termina. Como aconteceu em 1964. Aliás, há um livro que é leitura obrigatória para os jovens repórteres chamado 1968: O Ano que Não Terminou, do jornalista Zuenir Ventura. Ele conta a história do golpe dentro do golpe. O conhecimento da história é fundamental para saber explicar o que vem por aí.