À Beira do dolo eventual. Esse é o modo de o governo tratar o surto de toxoplasmose em Santa Maria

As autoridades sanitárias estão mais preocupadas em preservar a sua imagem do que descobrir a causa da toxoplasmose em Santa Maria? Foto: Divulgação/ PMSta.Maria

A primeira lição que o repórter aprende na sua vida profissional é que os governos mentem.  O comportamento das autoridades federais e estaduais, no caso do surto de toxoplasmose em Santa Maria, já foi muito além da falta da verdade. Já beira ao dolo eventual, que é uma figura no Direito Penal em que a pessoa não tem a intenção de matar, mas assume o  risco. Por exemplo, dirigir bêbado. No caso do surto, as autoridades sanitárias estão agindo sem transparência da suas ações, dificultando o acesso a informações dos jornalistas, estão trabalhando de maneira desorganizada, e suas atitudes são focadas para preservar a imagem do poder  público, e não a busca da fonte de contaminação. Um exemplo disso é o tratamento que a  Companhia  Riograndense de Saneamento (Corsan) está dando ao assunto. Água fornecida pela Corsan é apontada como uma provável fonte de contaminação. A empresa mandou fazer alguns testes e, com base no resultado deles, fincou pé que não tem nada ver com o assunto.  Em vez de cerrar fileiras com os sanitaristas em uma busca mais profunda da causa da contaminação.

Esse é o contexto que provocou a reação dos médicos infectologistas de Santa Maria em bater à porta do Ministério Público Federal (MPF). Toda a história foi contada pelo repórter Itamar Melo, na página 24 do jornal Zero Hora do último dia 24. A reportagem esta disponível na internet e é leitura obrigatória para se entender o tamanho do rolo que as autoridades sanitaristas federais, estaduais e municipais armaram em Santa Maria, cidade de 270 mil habitantes, a 300 quilômetros ao Oeste de Porto Alegre, importante centro universitário, local de bases militares e de economia diversificada. Desde a madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, acontecimentos, tipo esse surto, que ocorrem na cidade, atraem a atenção de jornalistas do mundo inteiro por conta do que aconteceu daquela data: um incêndio na Boate Kiss matou 242 jovens, a maioria universitários, e feriu outras 600 pessoas. As quatro pessoas apontadas como culpadas pelo incêndio, os sócios Elisandro Spohr, o Kico, e Mauro Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o ajudante de palco Luciano Augusto Bonilha Leão respondem ao processo em liberdade. Meses depois de tragédia, alegando que era preciso a cidade seguir em frente, deixando para trás a tragédia da Kiss, lideres políticos e empresários de Santa Maria investiram em campanhas publicitárias, no sentido de convencer a população do seu ponto de vista. Eu sei da história porque trabalhei no caso.

Essa avaliação nos leva à seguinte pergunta. O pacto feito para esquecer a tragédia da Boate Kiss está influenciando o caso do surto de toxoplasmose?  Vamos alinhar semelhanças entre os dois episódios. O caso Kiss figura entre as 10 maiores tragédias de incêndio no mundo, é um estigma para a cidade. No surto, as autoridades admitem 352 pacientes. No documento dos médicos, eles trabalham com 600 casos, o que seria o maior surto da história mundial. Ou seja: mais um estigma para Santa Maria. Aqui quero refletir com os meus colegas repórteres calejados e com novatos. No nosso trabalho cotidiano, a gente sabe que esse tipo de relação não está escrito em lugar algum. Mas existe e tem influência. Omitir-se perante a esse tipo de coisa é ser cúmplice de uma situação com alto teor explosivo, como é caso do surto de Santa Maria. Vejamos: qual é a única cidade no Brasil, é uma das escassas nas Américas, em que as mulheres são aconselhadas pelos médicos a evitar a gravidez: Santa Maria. Só isso seria um forte motivo para exigir explicações detalhadas das autoridades sanitárias. Imagine a existência de 600 pessoas infectadas, como acredita o relatório dos médicos entregues ao MPF.

A tragédia da boate Kiss nunca vai ser esquecida. Além da dor dos parentes, ela deixa dezenas de pessoas com sequelas físicas e mentais e um atestado de lentidão em resolver o caso na Justiça – os quatro acusados ainda não foram julgados. O surto de toxoplasmose, se não for devidamente e corretamente tratado pelas autoridades sanitárias o agente que causa a doença, deixará um rastro de sequelas  que serão transmitidas para as próximas gerações. Daí a recomendação dos médicos para as mulheres evitarem a gravidez. Mais ainda: as primeiras notícias sobre o surto começaram a aparecer na imprensa em março e, 90 dias depois, as autoridades sanitárias ainda não sabem o que está acontecendo. E o pior. Estão conduzindo o trabalho tendo como foco salvar as suas reputações. A situação beira ao dolo eventual. Quem será responsabilizado pelo que irá acontecer?

3 thoughts on “À Beira do dolo eventual. Esse é o modo de o governo tratar o surto de toxoplasmose em Santa Maria

  1. Pois é amigo! Estranho ainda não terem encontrado a causa da toxoplasmose em Santa Maria. Isso é grave.

  2. Pois é amigo! Realmente é muito estranho ainda não terem descoberto o que está causando o surto de toxoplasmose em Santa Maria. Isso é muito grave.

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