O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é cabeça dura e boca de conflito – xinga todo mundo. Mas não rasga dinheiro. E quer se reeleger. Portanto, existia a possibilidade de que ele tivesse dado ouvidos a quem lhe explicasse, no ano passado, que a descoberta da vacina era a bala de prata contra a Covid-19. E que ele poderia seguir nas suas pregações negacionistas sobre o poder de contaminação e de letalidade do vírus, como fazia o seu colega e ídolo, o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano). Enquanto Trump seguia de vento em popa nas suas pregações negacionistas, “alguém” no seu governo comprou as vacinas. Trump não se reelegeu, perdeu para Joe Biden (democrata) e saiu do governo pela porta dos fundos da Casa Branca. Mas uma coisa que ninguém pode tirar dele é o crédito da compra das vacinas. Hoje os americanos estão sendo vacinados em massa e a previsão é de que o país volte à normalidade ainda neste ano. Quem poderia ter sido esse “alguém” no governo Bolsonaro? É sobre esse assunto que vamos falar. Vamos aos fatos.
No título do texto citei o ministro da Economia, Paulo Guedes, 71 anos. Por quê? Ele é líder dos neoliberais do governo Bolsonaro. Pessoas que defendem e entendem como funcionam os mercados internacionais. Portanto, pessoas que enxergam o futuro, porque vender e comprar ações ou seja lá o que for exige um conhecimento enorme da realidade. Hoje Guedes e os seus colegas afirmam com todas as palavras que a reativação da economia depende da vacinação em massa da população. Guedes foi apelidado pelo presidente de Posto Ipiranga, um lugar onde se encontram todas as soluções, como diz a publicidade da marca. Por ser um homem de mercado, Guedes sabia que a vacina era a bala de prata contra a Covid-19. Então? Por que não foi ele o “alguém” do governo Bolsonaro e deixou passar a oportunidade do Brasil comprar, em agosto do ano passado, as 70 milhões de doses oferecidas pela Pfizer? O negócio ficou nas mãos do ex-ministro da Saúde, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, homem que sequer olhava as horas no relógio sem pedir a autorização do presidente. Guedes não agiu na ocasião por medo de perder o emprego ou não se deu por conta da importância da vacina?
O ministro Guedes não foi o único que teve oportunidade de ter alertado, no ano passado, sobre a necessidade das vacinas e evitado o caos. Os ministros Braga Neto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, não têm o olho do mercado como Guedes. Mas são generais e entendem de estratégia de guerra. Eles podiam ter tomado as rédeas na questão da vacinas por serem homens de confiança do presidente. Não tomaram. Aqui chegamos a um ponto importante da nossa conversa. Sabe? Em maio de ano passado, quando se tornou público o vídeo de uma reunião do presidente Bolsonaro com os seus ministros, eu pensei se tratava de uma peça publicitária. Por quê? O então ministro da Educação Abraham Weintraub chamou de vagabundos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que todos aproveitassem que a atenção do país estava voltada para a pandemia e “passasse a boiada” – derrubando portarias e outras leis. O presidente, das palavras que pronunciava, metade eram palavrões. Foram duas horas de um espetáculo decadente. Um colega repórter de um jornal nos Estados Unidos, um velho conhecido dos tempos dos conflitos agrários no interior do Rio Grande do Sul, me ligou e perguntou sobre o assunto. Eu disse que aquilo parecia ter sido montado por Bolsonaro para satisfazer os seus apoiadores ligados ao movimentos nazista, terraplanistas, ocultistas e outros radicais de extrema direita. Esqueci o assunto. Na semana passada, conversando com um colega, ouvi dele que as pessoas que são chamadas no gabinete do presidente entram lá e não sabem se sairão com os seus empregos. A minha conclusão hoje é que aquelas cenas da reunião de maio do ano passado não eram uma peça publicitária para os apoiadores de Bolsonaro. É assim que as coisas acontecem. Guedes e os generais têm medo de despertar a fúria do presidente.
O Brasil vive um pesadelo causado pela vacinação a conta-gotas. Mais de 2 mil pessoas estão morrendo diariamente, uma boa parte delas devido ao colapso dos sistemas de saúde público e privado. Em 25 dos 27 estados não há vagas nos hospitais. Quem necessita de uma UTI enfrenta uma fila de espera que já soma centenas de pessoas. O presidente Bolsonaro é o comandante de toda essa lambança. Mas ele não o único responsável. Os seus ministros e assessores diretos também têm parte da culpa nessa situação porque deixaram as coisas acontecer. Daí que considero muito importante nós repórteres identificarmos no governo quem poderia ter evitado essa situação e não fez nada. Ou fez e acabou sendo demitido, como o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, depois de ser boicotado e fritado pelo presidente. O Brasil hoje é apontado no mundo como exemplo da devastação que pode se causada na saúde quando um presidente torna o negacionismo política de governo. Claro que todo esse rolo vai acabar nas cortes internacionais de justiça. Em uma entrevista dada hoje (16/03) ao O Globo, o novo ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, disse o seguinte: “Política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde”. Ele está a menos de 24 horas no cargo é já está tirando o corpo fora. Por quê?