Por vários motivos, mas principalmente por não levar em conta o tenso momento que os brasileiros vivem, em que erguem as mãos para os céus a cada dia que conseguem manter os seus empregos de carteira assinada em um ambiente rodeado por uma multidão de 13 milhões de desempregados e 30 milhões vivendo no mercado informal, é um deboche a maneira como a imprensa e o governo federal estão explicando à população o vertiginoso aumento no preço da carne bovina. A imprensa dá uma explicação econômica que exige do leitor um conhecimento de mercado para entender porque estão sendo ferrados. Perguntada por uma jornalista se os preços da carne voltariam aos valores anteriores, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, respondeu que não e que agora eles estão em outro patamar. Todos que entendem de mercado internacional sabem que não é assim que as coisas funcionam. Nada é definitivo nos mercados. Soma-se a essa situação o fato do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ser uma pessoa que adora “apagar fogo com gasolina”.
Essa é a situação. Estou sugerindo, como se estivéssemos fazendo uma autópsia dos fatos, termos uma conversa entre repórteres sobre “o rolo” – jargão usado pelos jornalistas para definir uma situação complexa. As minhas credenciais para conversar com meus colegas: tenho 69 anos, 40 de profissão e um currículo bem nutrido. Isso não quer dizer muita coisa. Mas o fato de ter focado a minha carreira na cobertura de migrações de agricultores, conflitos agrários e crime organizado nas fronteiras fez com que eu andasse muito pelo interior do Brasil. Isso significa que os lugares onde não estive, eu andei por perto. Durante todo esse tempo de andanças montei uma interessante agenda de fontes espalhadas pelos rincões. Para saber o que estão pensando da situação, nas últimas duas semanas, eu ando ligando para produtores, sindicalistas e dirigentes de agroindústrias espalhados pelo Brasil. Ontem (29/11), percorri o comércio varejista de carnes, açougues e supermercados. Em média, o preço do quilo da carne de gado subiu R$ 10. É muito dinheiro.
A explicação dada pelos colegas repórteres da área econômica para o aumento do preço da carne é bem consistente: comparando os meses de setembro/outubro a igual período do ano passado, a China aumentou a importação de carnes em 110%, a Rússia em 694% e os Emirados Árabes, em 175%. Vários fatos contribuíram para essa situação, sendo três os principais: seca na Austrália, que é um país produtor de carnes, e briga comercial entre os americanos e os chineses e a peste suína que acabou com as criações de suínos na China.
Essa situação puxou o preço da carne bovina para cima e as outras carnes, aves, suínos e peixes, estão indo atrás. O que faltou explicar ao nosso leitor? Esse aumento das exportações, quantos empregos novos irão gerar nas agroindústrias? É uma informação importante em um país com 13 milhões de desempregados. Mais ainda: o dinheiro ganho com o aumento das exportações e os preços no mercado interno irão para o bolso de quem? Do varejista, da agroindústria, do produtor ou do intermediário? É importante saber quem ganha com a situação porque pode significar a criação de mais empregos. Por exemplo: se for um reforço significativo no bolso do produtor, ele irá investir na melhoria da produção, o que significa a criação de empregos em metalúrgicas e outros setores que abastecem de insumos as propriedades rurais. Há outra questão que precisamos levar em conta na hora de apurar uma matéria: o salário do nosso leitor é pago em reais. Mas os preços do combustível que ele usa no seu carro e as carnes que consome são regulados pelos mercados internacionais, ou seja: em dólar. Não tem sido uma situação fácil para o consumidor. Lembramos que a crise na economia praticamente congelou os salários no Brasil.
O que vou falar não é científico. Mas é um fato. O gatilho que tem detonado as revoltas populares tem a ver com situações que a opinião pública considera um deboche. Foi assim as Manifestações dos 20 Centavos no Brasil, em 2013. Eu fiz a cobertura no meio dos manifestantes. Foi assim no Chile, com a questão das aposentadorias. Foi assim no Equador, com o preço dos combustíveis. Uma das lições que aprendi na vida de repórter é que sempre que acontece uma revolta popular o primeiro alvo é a imprensa. Nós somos cobrados porque não explicamos o que estava acontecendo. Acabou a era em que se publicava um monte de gráficos para explicar uma situação ao leitor. Hoje temos que contar uma história atando todas as pontas. O leitor tem o direito de saber por que está sendo ferrado.
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