A fala das raposas da política ao pé do ouvido de Bolsonaro

As raposas estão ensinando o caminho das pedras ? Foto EBC/Divulgação

 

Descrito por nós, repórteres, o presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), é uma pessoa inculta, bravateira, boca suja e metida a esquentada. Mas também dissemos que ele não é bobo. Muito menos alguma das pessoas-chave do seu grupo político, como os generais, o ex-juiz Sérgio Moro e o economista Paulo Guedes. Eles sabem que, se não ouvirem a conversa de pé de ouvido das raposas da política nacional, não vão a lugar algum. Se forem, o custo vai ser muito grande e pode significar a derrota do projeto político que acalentam com tanto cuidado.

Usei o termo “raposas da política” no sentido de pessoa articulada, experiente e com trânsito entre as principais personagens do cenário da disputa eleitoral brasileira. Bolsonaro tem quase 30 anos de vida parlamentar e sabe que, na política, tem o discurso público e as articulações longe dos refletores da imprensa, que é o lugar onde as coisas acontecem. O grupo político do presidente eleito tem o discurso público de que irá usar as bancadas temáticas apoiadas pelo prestigio político de Bolsonaro para passar seus projetos pela Câmara Federal e pelo Senado. Em conversas reservadas e nas entrelinhas de suas manifestações públicas, o atual presidente da República, Michel Temer (MDB – SP), e o seu ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, têm sinalizado para os novatos do grupo político do presidente eleito que as coisas não acontecem dentro do roteiro traçado. Temer e Padilha fazem o alerta com autoridade. Temer era o vice da então presidente Dilma Rousseff (PT – RS) quando ela virou alvo de uma ação de impeachment – por motivo bobo, que foram as pedaladas (arranjos contábeis para salvar o caixa da União, o que já tinha sido feito por outros presidentes da República). Enfraquecida pela sua falta de habilidade política, somada à decadência da economia, Dilma foi encurralada pelos seus opositores, principalmente o senador Aécio Neves ( PSDB – MG). Temer, Padilha e Moreira Franco (atual ministro de Minas e Energia) se aliaram com o então presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (MDB – RJ), e conspiraram contra Dilma.

Temer assumiu como presidente da República em agosto de 2016. Não teve tempo de esquentar a cadeira, e os problemas começaram. Em setembro, a Câmara cassou o mandato do seu aliado Eduardo Cunha. No mês seguinte, Cunha foi preso pela Operação Lava Jato e levado para cumprir a pena em Curitiba (PR). Da prisão, Cunha tentou comprometer Temer. Não conseguiu, graças à ação de Padilha e Moreira Franco. Em maio de 2017, os irmãos Wesley e Joesley Batista, donos do grupo J&F, em delação premiada à Operação Lava Jato, fizeram uma série de acusações contra Temer, incluindo uma gravação do presidente tentando obstruir a Justiça. Por duas vezes, em 2017, a Câmara rejeitou denúncias do Ministério Público Federal (MPF), impedindo que Temer fosse processado. Se ele fosse processado, seria afastado do cargo por 180 dias. Mérito de Padilha, Moreira Franco e do senador Romeiro Jucá (MDB – RO).

A oposição não conseguiu derrubar Temer. A poucos dias de tomar posse, o presidente eleito enfrenta uma chuva que tem grande potencial de se transformar em tempestade. Trata-se da descoberta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do depósito de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício José Carlos Queiroz, motorista do filho de Bolsonaro, Flávio, deputado do Rio de Janeiro que se elegeu senador. Queiroz recebeu esse dinheiro de sete funcionários do gabinete de Flávio e repassou parte dessa quantia para familiares do presidente eleito. Tudo indica que se trata de uma velha prática dos parlamentares brasileiros de exigirem devolução de parte dos salários pagos aos funcionários do gabinete. Essa prática é um crime previsto em lei. E tem um potencial enorme de causar danos ao grupo político de Bolsonaro, que se elegeu gritando que era o símbolo da honestidade. O futuro ministro da Casa Civil, o deputado gaúcho  pelo DEM Onyx Lorenzoni, perdeu a elegância e a calma no primeiro embate que teve com jornalistas a respeito da ligação do presidente eleito com o escândalo de R$ 1,2 milhão. É um mau sinal.  Demostra que o deputado não tem sangue frio para o cargo que irá ocupar, chamou a atenção um velho parlamentar.

Caso o governo Bolsonaro mergulhe em uma crise política, a força do MDB deve crescer na administração do país, porque é o partido que tem o maior número de raposas velhas por metro quadrado.  Hoje o partido opera com dois grupos bem distintos: de Temer e do senador Renan Calheiros, que tem interlocução com o pessoal ligado ao ex-presidente Lula. O partido de Lorenzoni, o DEM, tem a herança do baiano Antônio Carlos Magalhães (falecido em  2007), um dos políticos mais astutos da história do Brasil. O legado dele ficou com Antônio Carlos Magalhães Neto, atual prefeito de Salvador. Neto é um político sem o brilho do avô.  A política da Bahia hoje tem como personagem o ex-governador Jaques Wagner (PT – BA), um homem prático.

Há uma única maneira de o grupo político de Bolsonaro virar as costas para as conversas das raposas velhas da política e eleger o futuro presidente do Senado e o da Câmara Federal. Não por outro motivo que os parlamentares do PSL andam trocando socos e pontapés nos bastidores. Aqui chamo a atenção dos meus colegas repórteres. Na solenidade de diplomação, ele afirmou que vivemos uma era de ligação direta do eleitor com o governante, sem precisar de intermediário. A que intermediário ele se referia? Às grandes empresas de comunicação? Ou às raposas velhas da política nacional que operam nas sombras? É uma conversa que interessa ao nosso leitor.

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