Em escassos momentos da história do Brasil, foi exigido do repórter uma atenção tão grande sobre tudo o que acontece ao seu redor como no atual, principalmente no Rio de Janeiro, o cartão-postal do país que está sob intervenção federal desde fevereiro. Na sexta-feira da semana passada, apareceram sete corpos, seis nas águas da Praia Vermelha e um nas matas da Urca no Rio, após um enfrentamento entre as tropas do Batalhão de Choque da Polícia Militar e os traficantes da região. Os familiares acusam os policiais de terem executado as sete pessoas. O caso esta sendo investigado pela Polícia Civil. Em outros tempos, o caso cairia na vala comum da violência que vem se acelerando nos últimos anos no território carioca. Mas o Rio está sob intervenção federal, e isso muda tudo, porque as Forças Armadas são responsáveis pelo que acontece na área de segurança pública e têm sob seu comando a Polícia Militar, a Polícia Civil e os Bombeiros.
Esse é o contexto. E, dentro dele, nós, repórteres, devemos esclarecer se o aparecimento desses sete cadáveres significa que a intervenção virou uma Guerra Suja, um termo cunhado nos anos 70, quando os países do Cone Sul (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile) eram governados por regimes militares. Os opositores do regime eram presos, torturados, mortos e jogados no mar. Foi nessa época que esses países criaram a Operação Condor – há um vasto material sobre o assunto disponível na internet. Na época, o pano de fundo do enfrentamento entre militares e oposição era por ideologia. A situação carioca tem outro pano de fundo: o crime comum – também uma expressão cunhada nos anos 70 pelos repórteres para designar ocorrências policiais tipo latrocínio (matar para roubar). O crime comum se tornou uma epidemia devido à falência total do Estado – não tem dinheiro para pagar os funcionários, e seus principais políticos estão cumprindo pena ou respondendo a processos por corrupção. E os cariocas estão no meio do fogo cruzado entre as tropas e os bandidos.
Sei que se formos pregar para o carioca preso no fogo cruzado a necessidade de respeitar a Constituição para resolver o problema, ele nos manda enfiar o livrinho no bolso traseiro da calça. Portanto, a nossa ação como repórteres tem que ser na vigilância de como as autoridades estão conduzindo esse confronto. Por ser um velho repórter, 68 anos, sendo 40 correndo atrás de histórias para contar em regiões de conflitos de sem terra contra fazendeiros, garimpeiros contra índios, traficantes e contrabandistas nas fronteiras e nas lutas entre as facções criminosas por pontos de drogas nas favelas brasileiras, eu sei que, na hora que a bala pega – o tiroteio –, a adrenalina sobe, e tanto polícia quanto bandido só querem sair vivos. É uma situação difícil de lidar. Mas para isso é que existem os comandantes e que há a imprensa para denunciar os excessos. Inquéritos tramitando na Justiça do Rio de Janeiro são fartos em informações sobre mortes não explicadas nos confrontos entre policiais e bandidos nas favelas e nas avenidas cariocas. Se não explicar direitinho a história desses sete cadáveres encontrados na Praia Vermelha e nas matas da Urca, as autoridades federais estarão concordando com essa prática das forças policiais cariocas. E, se isso acontecer, temos uma Guerra Suja acontecendo no Rio de Janeiro. E a história nos ensina que esse não é o caminho para resolver nada. Muito pelo contrário, é como apagar fogo com gasolina. Como repórteres, temos que lembrar que as autoridades federais estão no Rio de Janeiro para resolver o problema da violência. Não para fazer parte dele.