A história das grandes guerras mostra que sempre que um exército estrangeiro ocupa um território não consegue consolidar a sua conquista. Foi assim com a ocupação de países europeus, entre eles a França, pelas tropas da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945); com a invasão do Afeganistão pela então União Soviética (1979 a 1989); e com os Estados Unidos no Vietnã (1955 a 1975) – há um vasto material sobre esses conflitos disponível na internet.
Essa descrição é a que mais se ajusta ao atual comportamento das tropas da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro quando ocupam as favelas cariocas em busca de criminosos. A PM fluminense se comporta como se fosse um exército estrangeiro invadindo áreas densamente povoadas por trabalhadores de baixa renda. Essa população já vive um terror diário em meio ao fogo cruzado dos fuzis na disputa por território entre traficantes e milícias – espécie de grupos paramilitares formados policiais militares. A PM entra no conflito agindo igual a seus adversários: tenta ganhar pelo poder fogo. Essa é a política de segurança pública do governador Wilson Witzel, 51 anos (PSC-RJ).
Uma das vítimas dessa política foi a menina Ágatha Vitória Felix, oito anos, que na sexta-feira (20/09) foi morta por bala perdida dentro de uma Kombi na Fazendinha, uma das favelas do Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Aqui quero parar de contar a história e levantar uma questão com os meus colegas jovens repórteres, especialmente aqueles que trabalham nas redações. O que está acontecendo na segurança pública do Rio de Janeiro hoje não é assunto só dos cariocas. Diz respeito a todo o Brasil. Daí a importância de se conhecer os fatos para não escrever bobagens. Seguindo com a história. Existe uma maneira diferente da PM enfrentar as milícias e os traficantes sem colocar a população civil em risco? Claro que existe. Um deles é a reconstrução do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que foi abandonado. A ideia básica era levar policiamento e serviços do Estado para as favelas. Aqui é o seguinte. O governador optou pela tática do enfrentamento armado com os traficantes e milicianos porque ela é mais simples e, de quebra, rende mais espaço na mídia. O que significa votos. Isso é um fato.
Uma rápida consulta nos conteúdos dos noticiários que publicamos este ano mostra que Witzel é dos governadores que mais aparece. E, na maioria das vezes, as notícias são ligadas à questão da segurança pública. Por exemplo, um mês antes da morte de Ágatha, no dia 20 de agosto, na Ponte Rio-Niterói, pelas 5h30min, Willian Augusto Nascimento sequestrou um ônibus com 37 passageiros. Quatro horas depois, ele foi morto por um atirador de elite da PM. O governador chegou ao local como se estivesse entrando em um estádio de futebol e seu time tivesse feito um gol. Teve uma semana de exposição na imprensa nacional e internacional. Aqui, meus colegas, não cabe questionar se foi certo matar o sequestrador. Mas explicar para o nosso leitor que a maneira como governador desceu do helicóptero que o trouxe a cena do crime, vibrando como um torcedor de futebol, foi inadequada.
Aqui lembro o seguinte. Ainda durante a campanha, Witzel defendia o uso de atiradores de elite pela PM para eliminar pessoas que estivessem usando fuzil nas favelas, uma imagem muito comum nos noticiários. Na época, perfilei-me entre os repórteres que pensaram o seguinte: “Ele anda vendo muito filme americano”. Jamais pensei que era sério. Até porque o governador é ex-juiz federal e ex-fuzileiro naval, e sabe que não comanda uma tropa que ocupou um território estrangeiro chamado favela. A favela é território brasileiro e, portanto, sua população é protegida pelas leis do país, que não permitem execuções. Mesmo depois de eleito, o governador continuou insistido na história. Hoje, os movimentos de defesa dos direitos humanos cariocas reclamam que atiradores nos helicópteros da polícia que apoiam as tropas durante as batidas nas favelas têm feitos disparos.
Arrematando a conversa. Só primeiro trimestre de 2019 foram mortas no Rio 434 pessoas, o maior número desde 1998. Em igual período no ano passado foram 368. A longa lista de mortos é formada por policiais, bandidos, trabalhadores, adolescentes e crianças, como Ágatha. No final dos anos 90, eu estive em Maceió (AL) fazendo uma reportagem sobre pistoleiros. Lembro que um procurador da República me disse o seguinte: “Aqui não tem bala perdida, todas têm um nome”. No caso do Rio, ao apertar o gatilho de uma arma automática em uma região cheia de civis, é quase certo que alguém vai ser atingido. É simples assim.
Uma correção ao seu artigo, de resto direto ao ponto: O governador optou pela tática de enfrentamento armado com os traficantes, mas não com as milícias. De acordo com os levantamentos, não houve nenhuma ação policial este ano em favelas controladas por milícias.
Esse é um tema que vale a pena ser aprofundado.
Boa sugestão. Eu me dei conta na hora que estava redigindo que o governo, inclusive na época da intervenção militar, deixou para lá as milícias. Inclusive publiquei um post onde considero as milícias inimiga número um do Brasil. Obrigado é uma honra ter o amigo como leitor.