Uma noticia divulgada durante a semana sobre o crescimento, nos últimos 16 anos, de 844 para 2.487 pontos de prostituição infantil e de adolescentes, nas estradas federais que cortam o Brasil, traz um recado nas suas entrelinhas. É um alerta para o assinante do interior do país das grandes empresas de comunicação (jornais, TVs a cabo e sites). A estratégia de sobrevivência econômica, adotada por essas empresas que concentraram suas coberturas nas regiões metropolitanas, deixando o interior, tem como efeito colateral o aumento do que é chamado no jargão das redações de criminalidade permanente. Pode ser descrito como aquele tipo de crime que sempre tem alguém praticando, como a prostituição infantil, jogos de azar (bicho), abigeato (furto de animais), tráfico de drogas, roubo de cargas nas estradas e sanidade dos alimentos (carne clandestina e leite adulterado).
Através dos tempos, sempre que um tipo de crime desses passava dos índices considerados normais no interior, ele chamava a atenção dos noticiários das grandes empresas, que faziam um estardalhaço. O barulho resultava em pressão nas autoridades, que resolviam o assunto organizando uma grande operação policial. Em linhas gerais, era assim que acontecia. Agora, o estardalhaço ficou por conta das empresas de comunicação do interior, que não estão conseguindo dar conta do recado. Não por serem pequenas. Mas por conta de que a grande maioria depende dos anúncios da prefeitura municipal e dos parlamentares que têm suas bases políticas na região. Para sobreviver, essas empresas vão se adaptar à nova realidade, até porque os anúncios das prefeituras e deputados estão minguando. Mas esse processo vai levar, pelo menos, uma década. E, até lá, o que acontece?
Para responder a essa pergunta, não precisa de muito esforço. Basta dar uma olhada nas estatísticas oficiais: a chamada criminalidade permanente cresce. Chacinas, que antes eram coisa de cidade grande, acontecem nas pequenas cidades. As taxas de homicídios nas cidades médias do interior explodem. O abigeato não só cresceu como se organizou e fornece carnes para a indústria clandestina de alimentos nos grandes centros urbanos. Antes de seguir contando a história. O meu perfil profissional é de repórter estradeiro. Nos últimos 40 anos, ando pelo interior do Brasil em busca de histórias para contar, que transformei em reportagens e livros, como Brasil de Bombachas – que conta a história da colonização das fronteiras agrícolas pelos gaúchos. Portanto, não é exagero afirmar que conheço o interior do Brasil. Em 2015, sentei-me para tomar uma cerveja com uns amigos no interior do Paraná e ouvi de um deles a reclamação de que os jornais não davam a devida importância para a ação das quadrilhas que atacavam os caixas eletrônicos dos bancos nas pequenas cidades. No fim daquele ano, eu fui dar uma palestra no interior gaúcho. Na volta para Porto Alegre, parei em um posto de combustíveis para abastecer e encontrei um amigo antigo militante dos movimentos sociais. Ele fez a mesma reclamação. Mas acrescentou que o comércio das pequenas cidades, vítimas dos roubos em caixas eletrônicos, estava minguando, porque os bancos tinham adotado a estratégia de não reabrir o local que havia sido roubado. Com isso, as pessoas precisam resolver os seus assuntos bancários nas cidades médias da região e lá faziam as suas compras deixando as lojas dos seus municípios vazias. Só dois anos depois dessa conversa é que eu vi aparecer nos noticiários das grandes empresas de mídia a questão do comércio das pequenas cidades atacadas por ladrões de caixa eletrônico.
Em outras épocas, esse tipo de notícia iria virar manchete nos grandes jornais em bem menos tempo. Essa demora se deve ao fato de que as grandes empresas não têm mais sucursais no interior e, nas redações, as editorias que cuidavam do assunto foram praticamente extintas. Mesmas as redes de TV (aberta e a cabo) que têm emissoras no interior limitam a sua cobertura à audiência local. Aqui é o xis da nossa conversa. As grandes empresas de comunicação abandonaram o interior. Mas seguem cobrando as mensalidades dos assinantes locais, que significam uma parcela interessante no seu faturamento. Pelo menos podiam dar um bom desconto para eles, já que não prestam o serviço que vendem. Hoje o grande esteio da economia das cidades do interior do Brasil são as agroindústrias, as lavouras (soja, arroz, milho e fumo) e as fábricas de equipamentos. Resta especular até quando o pessoal do interior vai continuar pagando a sua assinatura.