A população carcerária ficou fora da agenda dos candidatos e das redações

Presídio de Porto Alegre uma linha de montagem de facções. Foto Filme Central/Divulgação

Presença obrigatória nos noticiários diários, o sistema penitenciário brasileiro, que, devido à falta de estrutura, tornou-se uma verdadeira linha de montagem de organizações criminosas, ficou fora das agendas dos candidatos a cargos estaduais e federais e das pautas dos debates políticos promovidos pelas empresas de comunicação. A questão da segurança pública é uma das principais preocupações dos brasileiros. De um modo geral, os programas dos partidos tratam o assunto da maneira clássica: contratação de mais policiais, compra de novos equipamentos e racionalização dos serviços. Essa é uma parte do problema.

A outra parte do problema é a esquecida: o destino que terá o bandido depois de ser preso pelo policial. Ele vai para o sistema penitenciário brasileiro, um conjunto de centenas de penitenciárias, abrigos e cadeias em delegacias onde vivem a terceira maior população de presos do mundo, 726 mil pessoas (28 mil no Rio Grande do Sul). A maioria amontoada em celas construídas para seis presos onde vivem 35. Prédios que abrigam o triplo da sua capacidade, como é o  caso do Presídio Central de Porto Alegre, considerado um dos piores do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU). Lá vivem, em média, 5 mil presos em um espaço projetado para 1,2 mil. O que acontece lá é descrito com riqueza de detalhes nos noticiários diários. O cotidiano dos presos e de seus carcereiros é mostrado no documentário dirigido pela Tatiana Sager chamado “Central: o poder das facções no maior presídio do país”. O filme foi feito baseado no livro do repórter do Diário Gaúcho (DG) Renato Dorneles chamado Falange Gaúcha.

O Central é um dos elos do sistema penitenciário nacional. As facções criminosas nasceram dentro do sistema penitenciário como uma maneira de sobrevivência dos apenados. Elas se aperfeiçoaram e começaram a operar fora dos presídios. E hoje o seu poder rivaliza com o do Estado. Por exemplo: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, organizações criminosos pioneiras que nasceram nas  prisões de Rio/SP. Eles serviram de modelo a todas as outras que existem no Brasil, inclusive as gaúchas. Há um vasto material disponível na internet sobre essas organizações.

Essa é a realidade. Cada vez que a polícia prende um criminoso em início de carreira – a grande maioria – está fornecendo um novo soldado para as facções criminosas, porque ele terá que se filiar a uma delas no sistema penitenciário para sobreviver. E sairá da cadeia como um bandido mais qualificado e irá se envolver nos grandes assaltos, tipo essas quadrilhas que roubam caixas eletrônicos. Tudo isso que escrevi não é novidade. Há dezenas de relatórios das autoridades alertando para isso. Centenas de reportagens nos jornais, eu mesmo já fiz muitas delas. No início da semana, conversei com religiosos – padres e pastores – que dão assistência espiritual aos encarcerados sobre a realidade dos presos no Brasil. Foram esses religiosos que me alertaram para o fato de a questão estar fora da agenda dos candidatos e das redações.  Também conversei com pessoas da Justiça e delegados. O pensamento deles vai na mesma direção que a dos religiosos.

Daí vem a pergunta. Se cada centavo investido no aperfeiçoamento do sistema de segurança acaba, indiretamente, beneficiando as facções criminosos, por qual motivo os candidatos e as redações não defendem investimentos maciços no bem-estar da massa carcerária? O motivo é simples: o candidato é porque não dá voto defender o bem-estar de criminosos presos. Nas redações, há duas posições extremas. A dos meios de comunicação que pregam a máxima  “bandido bom é bandido morto”, portanto, quanto mais sacrificado for o cotidianos deles, é melhor para todo mundo. E a das redações comprometidas com jornalismo sério que deixaram o assunto fora da pauta por negligência. Uma negligência que irá ajudar no êxodo de leitores.   Sou um velho repórter, eu tenho 68 anos e 40 de profissão, sendo que 35 deles foram vivendo dentro de redação. Sei como as coisas funcionam. Deixar a população carcerária de fora da agenda é um erro. Simples assim.

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