Os velhos repórteres da minha geração são cheios de manias. Uma delas é ir no fim de semana até a banca comprar jornais e revistas e conversar com o jornaleiro sobre os títulos de capa das publicações que mais estão vendendo. E também saber da opinião dele sobre o que nós jornalistas andamos escrevendo. Essa rotina foi interrompida no ano passado com a chegada da Covid-19 ao Brasil. Logo no início da pandemia havia o receio de que o papel dos jornais levasse o vírus para dentro de casa, já que o jornal não pode ser lavado com água e sabão e muito menos ser limpo com álcool. Estudos mostraram que a porosidade do papel e o tempo que jornal leva da máquina rotativa até a mão do leitor eliminavam a possibilidade de sobrevivência do vírus. Vencido esse problema existia outro, a aglomeração, que não era recomendada pelas autoridades. E também o fato de que muitas bancas fecharam devido ao movimento fraco.
Com o andamento da vacinação, a vida dos compradores de jornal papel nas bancas começa a voltar ao normal. Para o repórter, olhar uma banca de jornal cheia de publicações é como estar diante de uma obra pintada por um mestre. Por tudo que tenho lido, visto e ouvido, ninguém sabe com exatidão qual será o destino do jornal impresso em papel. Mas o que eu quero conversar com os colegas não é sobre o fim ou não das publicações impressas em papel. É sobre a exatidão do que escrevemos para o nosso leitor. Lembro que quando comecei a trabalhar como repórter em 1979, sempre que se cometia um erro em uma matéria, por mais banal que fosse, não havia como corrigi-lo, porque ele estava ali, impresso no papel. Certa vez troquei uma data em uma reportagem que foi publicada no fim de semana. No domingo pela manhã, quando fui buscar os jornais na banca, a primeira coisa que ouvi do banqueiro foi: “Tu viu que há um erro na tua matéria?”. O meu coração acelerou e perguntei qual era. Ele mostrou o jornal aberto com o erro grifado na página. O erro não tirava a credibilidade da matéria porque era grosseiro e dava para ser notado. Mas era um erro. Na edição seguinte o jornal publicou um “erramos”. Três décadas depois desse episódio o jornal começou a ter edição online. Lembro que, no início, sempre que se cometia um erro, se tirava a matéria do ar, consertava e publicava novamente. Era simples assim. Alguns anos depois, os advogados que orientam os editores sobre as leis conseguiram convencê-los que, além de consertar o erro, era necessário colocar um alerta para o leitor que aquele texto, ou imagem, tinham sido publicados com um erro. Esse procedimento qualificou o nosso trabalho.
Entre o alerta que o jornaleiro da banca de jornais me fez sobre o erro na minha matéria e a colocação da informação para o leitor na edição online de que um texto foi publicado com uma incorreção existe um intervalo de uns 30 anos. O que há em comum entre esses dois momentos? O avanço da tecnologia não mudou um dos pilares da nossa profissão, que é o compromisso com a verdade do fato. Erramos. Mas corrigimos os nossos erros porque o exercício do jornalismo é regulamentado por uma série de leis que dão ao nosso leitor a garantia da veracidade dos conteúdos que publicamos. Essa garantia é importante no atual momento, quando a imprensa brasileira enfrenta um fogo pesado dos milicianos digitais operando “máquinas de fake news” e tentando enfiar goela abaixo dos leitores a versão deles dos fatos. Em uma conversa com um colega na banca de jornal ele me alertou que os ataques dos milicianos digitais contra nós deve crescer muito por conta de que 2022 é um ano de eleições. Ele tem razão. Lembro que os candidatos espalharem mentiras uns sobre os outros em ano na disputa eleitoral “é do jogo” em todos os cantos do mundo. Os milicianos digitais vão bem além disso, e não é por outro motivo que o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou vasculhar as “máquinas de fake news” à procura dos nomes dos seus financiadores. Essas eleições acontecerão dentro de um cenário inédito na história do Brasil. O país vive uma pandemia causada pela Covid-19, um vírus de alto poder de contágio e letalidade que já matou 536 mil brasileiros, mais de 4 milhões ao redor mundo, e colocou a economia mundial de joelhos. No Brasil, por conta da desastrada política de combater o vírus do Ministério da Saúde, está funcionando a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid. Trabalhar em um ambiente desses requer muito cuidado, porque existem muitas cascas de banana à espera de um pé de um repórter desavisado.
Em momentos tensos da história é sempre bom os jornalistas trocarem ideias. Gosto de conversar com colegas nas bancas de jornais nos fins de semana porque a figura principal do debate acaba sendo o jornaleiro da banca. Por quê? Ele vende os jornais e as revistas e sabe quais as manchetes que caem no agrado do leitor. Comecei a trabalhar em jornal pelo departamento de circulação nos tempos que não existia assinatura de jornais e revistas. As manchetes eram gritadas pelos jornaleiros nas esquinas e nas bancas as melhores eram colocadas bem à vista dos clientes. O jornaleiro era uma espécie de ombudsman dos leitores. Ele sabia qual manchete interessaria. Claro, os tempos mudaram. Agora as publicações têm um sistema de assinaturas altamente profissionalizado. Não interessa a manchete porque o jornal já está vendido. Mas ainda restaram alguns leitores e jornaleiros que comentam as manchetes dos jornais e revistas e xingam os editores. Ainda bem que fui vacinado (as duas doses) e voltei a conversar nos fins de semana na banca de jornal. É muito bom. Principalmente para falar mal dos editores.