No auge da greve dos caminhoneiros, em vários cantos do Brasil, grupos de manifestantes foram bater nas portas de unidades das Forças Armadas, pedindo que assumissem o controle do país. Em vários piquetes de grevistas, faixas pediam o retorno dos militares. Essas manifestações não ganharam corpo no meio dos noticiários que estavam focados na grande confusão causada pelo movimento ao cotidiano do brasileiro, com falta de gasolina e gás de cozinha e desabastecimento no comércio varejista. Na ocasião, o comando das Forças Armadas classificou como infundadas as manifestações feitas pela volta dos militares. A greve começou em 21 de maio, terminou nos primeiros dias de junho e deixou um rastro de problemas que vai continuar sendo assunto dos noticiários por um bom tempo. Já o grupo que se manifestou pela volta dos militares desapareceu das notícias.
Esse é o episódio. O que nós, repórteres, podemos explorar aqui para conversar com os nossos leitores a respeito da campanha eleitoral? Antes de tudo, é perda de tempo correr atrás para saber se o grupo que pediu a volta dos militares foi articulado pelos marqueteiros do capitão do Exército e atual deputado carioca Jair Bolsonaro (PSL), candidato à presidência da República. A Constituição garante o direito à manifestação política. Muita gente morreu, perdeu seu emprego e foi torturada para garantir esse direito. Agora o que nós podemos explorar e conversar com os nossos leitores é sobre as Forças Armadas que existiam em 1964 e as que existem hoje. As dos anos 60 eram formadas por uma grande maioria de graduados e soldados de pouca instrução escolar e por oficiais nascidos no meio rural. Mais ainda. O mundo vivia o auge da Guerra Fria, que era travada pelos Estados Unidos, que defendia o modo de vida capitalista, e a ex-União Soviética, defensora do comunismo. O Brasil era aliado dos Estados Unidos, e foram os americanos que deram suporte logístico ao golpe militar que derrubou o governo do presidente João Goulart. Uma das heranças do Regime Militar (1964 a 1985) foi a hiperinflação – há centenas de matérias na internet sobre o assunto.
As Forças Armadas de hoje não têm nada a ver com as de 1964. A maioria dos soldados e graduados tem uma escolaridade do nível médio para cima. Os oficiais têm a sua origem nas cidades. O Brasil se industrializou, e a maioria da população é urbana. No mundo, acabou a guerra fria, e golpes militares não são mais tolerados, principalmente em países como o Brasil. Aqui um ponto para refletirmos. Bolsonaro fez toda a sua carreira política defendendo as Forças Armadas dos anos 60. Em uma rápida olhada no currículo militar do capitão Bolsonaro e na vida parlamentar do deputado Bolsonaro, dá para ver que ele não é bobo. Mas sim uma pessoa que tem um grande senso de oportunidade. Sabe que existe na cultura brasileira a ideia de que, se tudo der errado, chama os milicos que eles resolvem. E usou isso como plataforma política. A realidade mostra que não é verdade.
É aqui que entra o nosso trabalho de repórter. Temos que começar a explicar para o nosso leitor que o Brasil dos anos 60 é completamente diferente do atual. Por mais singela que a explicação seja, ela irá ajudá-los a entender os fatos. Não é a Operação Lava Jato punindo os corruptores e os corruptos que irá mudar o Brasil. Não são as Forças Armadas que irão mudar o Brasil. Somos nós, repórteres, fornecendo ao nosso leitor uma informação correta, simples e direta sobre os fatos. Ele será o cara que irá apertar o botão da urna.
Diga-se de passagem, Forças Armadas com o 14º poder de fogo do planeta, entre 136 nações, segundo o ranking do site Firepower.
O que aconteceu em 1964 não pode ser esquecido.