Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o impacto que terá na expansão do movimento bolsonarista o atentado terrorista que falhou e que tinha como objetivo explodir nas redondezas do Aeroporto Internacional de Brasília (DF) um caminhão-tanque carregado com 63 mil litros de querosene de aviação. Mas certamente terá um impacto significativo, que diminuirá o número de seguidores e de financiadores do movimento. Por quê? O atentado não deu certo por uma questão de detalhes. Se tivesse sucesso seria uma grande tragédia. O que mostra que existem pessoas muito perigosas, que não estão para brincadeira, entre os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma dessas pessoas perigosas é o autor do atentado, George Washington de Oliveira Sousa, 54 anos, preso na véspera do Natal pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no acampamento dos bolsonaristas na frente do quartel-general do Exército (QG), em Brasília.
George Washington e a família têm negócios em Xinguara, uma cidade vizinha à Floresta Amazônica, onde estive no final da década de 90 fazendo reportagens sobre madeireiras ilegais. Fica a 800 quilômetros ao sul de Belém (PA). Lá corre muito dinheiro sujo vindo do comércio ilegal de madeira, garimpos e grilagem de terras. O braço da Justiça é curto na região. Um dos motivos é a vastidão do lugar. Pessoas como o nosso personagem costumam fazer as coisas ao seu modo e quando sentem que correm perigo somem por uns tempos no meio do mato, reaparecendo quando a poeira baixa. Segundo a investigação da PCDF, ele viajou mais de 2 mil quilômetros de Belém (PA) a Brasília levando em uma caminhoneta um arsenal de armas e munição com o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na sexta-feira (30/12), durante uma live, Bolsonaro condenou o atentado, antes de embarcar no avião presidencial e rumar para a Flórida (EUA) – há matéria na internet. Tem sido rotina o ex-presidente condenar os seus seguidores sempre que levam a sério as bravatas que ele diz e se envolvem em uma tragédia, como foi o caso do policial federal penal Jorge Guaranho, que em agosto invadiu a festa de aniversário do tesoureiro do PT Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PR), gritando “sou Bolsonaro”, e o matou a tiros – há matérias da internet. Na ocasião, Bolsonaro condenou a atitude de Guaranho. Mudou alguma coisa? Não. Porque o fato é o seguinte: a enxurrada de bravatas e fake news divulgadas por Bolsonaro e os líderes que fazem parte do seu círculo íntimo inundam as redes sociais bolsonaristas e acabam influenciando pessoas como Guaranho e Washington a se envolverem em episódios violentos.
O que escrevi não é opinião. Mas fatos que já publicamos. Recentemente, o delegado-geral da Polícia Civil do Distrito Federal, Robson Cândido, que interrogou o autor do atentado em Brasília, demonstrou espanto com o grau de convencimento de Washington quanto à veracidade das fake news que circulam pelas redes sociais bolsonaristas. A respeito de pessoas que se deixam influenciar e cometem atos violentos consultei um especialista no assunto que conheci em 2004, quando trabalhei no caso do serial killer Adriano da Silva, que cumpre uma pena de 171 anos por matado 12 meninos em cidades do norte do Rio Grande Sul. Ele disse o seguinte: “É como te resumi na ocasião sobre o Adriano. É como se alguém ligasse uma chave dentro da cabeça deles e eles saem matando”. Também lembrei das grandes manifestações de 2013, que aconteceram em várias capitais do Brasil. Eu trabalhei na cobertura dos eventos entre os manifestantes. Lembro que nos primeiros dias famílias inteiras participavam dos protestos, que não tinham uma pauta específica. À medida que o tempo foi passado, começou a radicalização, aumentaram os atos violentos e as famílias desapareceram das manifestações. Até acontecer esse atentado do caminhão-tanque em Brasília, os acampados que estavam na frente dos quartéis eram descritos pela população como pessoas exóticas, que tentavam se comunicar com extraterrestres, adoravam tanques de guerra, cantavam hinos e faziam outras coisas curiosas.
Depois do episódio do caminhão-tanque, a conversa mudou de rumo e os acampamentos passaram a ser tratados como “ninho de terroristas”. Esse motivo, somando a outros dois, esvaziaram os acampamentos. Os outros motivos são a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, na última semana do ano passado, e a posse de Lula na Presidência da República, no primeiro dia de 2023. O esvaziamento dos acampamentos não significa que o bolsonarismo esteja sendo extinto. Continua mais forte do nunca. Os acampamentos eram uma estratégia de luta deles. Essa estratégia chegou ao fim e uma nova deve vir por aí. Seja ela qual for, vai encontrar um contingente menor de seguidores do ex-presidente porque as famílias (pai, mãe, filhos) começaram a se afastar depois do episódio do caminhão-tanque. Há uma regra não escrita que se repete: sempre que um movimento de massa se radicaliza, as famílias se afastam. A respeito do caminhão-tanque ainda restam muitas coisas a serem esclarecidas. A investigação policial está focada em seguir o rastro do dinheiro que financiou os acampamentos na frente dos quartéis, em especial o do QG em Brasília, onde foi planejado e executado o atentado.
O fato concreto sobre o episódio é que o caminhão-tanque estava estacionado nas imediações do aeroporto e o caminhoneiro descobriu o explosivo e acionou a polícia. Como os investigadores chegaram a George Washington, pouco sabemos. Ele foi denunciado por algum companheiro ou a PCDF tinha gente infiltrada no acampamento? Tive o cuidado de ler várias vezes o depoimento do autor do atentado em busca de alguma pista nas entrelinhas. A única coisa que fica claro é que ele atira a bronca no colo do ex-presidente, dizendo que foi para uma guerra por ter acreditado na pregação das redes sociais de que era preciso salvar o Brasil dos comunistas. Arrematando a nossa conversa. Uma coisa é financiar um movimento político. Outra, é apoiar um grupo envolvido com atentados terroristas. Pela relevância desse caso, a imprensa não pode permitir que ele se torne uma notícia de pé de página.