Interesse do ministro Dino por crimes insolúveis é a solução para o caso da professora Cláudia, da UFPel?

O que disseram as entrelinhas do discurso de posse do ministro Flávio Dino? Foto: Reprodução

Há uma história que os repórteres precisam procurar nas entrelinhas da fala, na última segunda-feira (2/1), de Flávio Dino, 54 anos, ao tomar posse como ministro da Justiça e Segurança Pública. Ele disse que é uma “questão de honra” para o Estado brasileiro resolver o caso da vereadora Marielle Franco (PSOL). Essa é a notícia. E seguindo as regras do velho e bom jornalismo não vamos partir do princípio de que todos sabem do que estamos falando. Vamos contextualizar a notícia. Marielle e seu motorista Anderson Gomes foram mortos a rajadas de tiros disparados por dois pistoleiros de aluguel na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Uma força-tarefa formada pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Civil do Rio já prendeu os assassinos, os ex-policiais militares e milicianos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Eles estão em uma prisão federal, aguardando o julgamento por um júri popular. Falta descobrir o mandante do crime. E enquanto ele não for descoberto, preso e julgado a família não terá paz, porque sempre existirá a dúvida de qual deles será a próxima vítima. Marielle (38 anos, na época) fez muitos inimigos entre gente muito perigosa, com os milicianos e os grileiros de áreas urbanas. Ela era uma mulher negra, mãe, favelada, casada com a arquiteta Mônica Benício e dona de um discurso político muito contundente. Por esses motivos o seu assassinato virou notícia ao redor do mundo. E sempre que uma autoridade brasileira chega a algum lugar importante, como Nova York (EUA) ou Paris (França), tem alguém com um cartaz na mão perguntando: “Quem mandou matar Marielle?”.

A cobertura da imprensa sobre a fala do ministro se concentrou em discutir as questões técnicas do caso, que é da esfera da Justiça estadual. E para que a União entre no caso seria necessário combinar com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), um bolsonarista raiz. Ou federalizar o crime, o que já foi tentando, mas a família foi contra – há matéria na internet. Claro que a imprensa precisa discutir os aspectos técnicos e políticos da questão. Mas as entrelinhas do discurso do ministro da Justiça nos sugere mais uma abordagem do caso, que é a seguinte. É preciso que a família da vereadora sinta que o governo federal puxou a bronca para o seu colo. A fala do ministro mostra que tem alguém que se importa. Isso é importante e vou explicar o motivo. Tenho 72 anos, 40 e tantos de profissão, uns 30 e poucos passados em redação de jornal. E aprendi, na lida de repórter, que os crimes insolúveis fazem duas vítimas: o assassinado e a sua família. Porque a incerteza mata que nem bala de revólver. A troca de mão do caso não é uma garantia de que será solucionado. Mas que alguém se apresentou para tentar resolvê-lo. E isso faz bem para a família e dá um recado para o culpado: que ele pode ser descoberto e punido. Casos insolúveis como o de Marielle são os maiores responsáveis pelo Brasil figurar entre os cinco países mais violentos contra a mulher no mundo.

E o Rio Grande do Sul figura no topo da lista dos estados brasileiros no número de casos de violência contra as mulheres. Eu chamo esses casos de “procuradas vivas ou mortas”. Existe um grupo de mulheres desaparecidas e possivelmente assassinadas cujos culpados são conhecidos pela polícia, que, no entanto, não pode prendê-los porque não existe um cadáver e as provas existentes não sustentam a acusação. Um desses casos que pode se beneficiar se houver a federalização do assassinato de Marielle é o desaparecimento, na noite de 5 de abril de 2015, da professora Cláudia Hartleben (47 anos, na época), do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Na noite do sumiço, ela simplesmente entrou em casa e nunca mais foi vista. Há três suspeitos. Em 5 de junho de 2021, escrevi o post O inquérito policial tem a prova que pode resolver o sumiço da professora Cláudia, da UFPel. Não acredito que o governo do Estado irá se opor à federalização do caso. O atual governador, Eduardo Leite (PSDB), era prefeito de Pelotas (2013 a 2017) quando a professora desapareceu. No seu primeiro mandato como governador (2018 a 2022), ele não moveu uma palha para resolver o crime. Na época, o seu vice e secretário da Segurança Pública era o delegado Ranolfo Vieira Júnior, um dos policiais mais competentes que conheço. Agora no seu segundo mandato, nada indica que Leite irá se importar com o destino de Cláudia. Por quê? Simples, ele tem uma visão fracionada da realidade que o rodeia. O que o impede de ver toda a dimensão do problema. Foi por esse motivo que foi derrotado por João Doria nas prévias que escolheram o candidato do PSDB para a disputa da Presidência da República (mais tarde, Doria desistiria da corrida presidencial e abandonaria a política). Também fracassou quando tentou impressionar os eleitores para ser o candidato da chamada terceira via, uma opção entre Jair Bolsonaro (PL), que buscava a reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem opção, voltou a concorrer e foi reeleito governador do Rio Grande do Sul.

Só para lembrar os meus colegas. Tudo o que escrevi sobre Leite não são opiniões. São fatos que temos publicado nos noticiários. Confesso que até o último ano do primeiro mandato nunca havia me interessado pela carreira do governador. Comecei a me interessar quando recebi uma ligação de um colega americano querendo saber se Leite tinha chance de concorrer à Presidência da República. Pelo que fala sobre o assunto, ele não consegue entender que a violência contra as mulheres, entre os gaúchos, não cede porque existem casos como o da professora Cláudia, que incentivam os agressores. E que a família dessas pessoas, a quem chamo de procuradas vivas ou mortas, estão desamparadas. As delegacias de polícia, mesmo as especializadas em mulheres, não têm condições de lidar com casos que se arrastam por muito tempo. Esse problema seria resolvido com um pequeno contingente de policiais especializados em casos insolúveis. O trabalho deles seria uma demonstração para os familiares que o Estado se importa com eles. É justamente isso que o ministro da Justiça está fazendo.

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