Fazendo cobertura de conflitos há quatro décadas, aprendi que os envolvidos em uma disputa, seja lá qual for, decidem o destino dos acontecimentos com base nos fatos que acontecem no dia a dia. Na nossa profissão chamamos esse procedimento de “não brigar com a notícia”. A disputa entre os partidos Democrata e Republicano pela presidência dos Estados Unidos segue o mesmo roteiro. Fora desse roteiro, é adivinhação, salvo os casos de matérias feitas com informações de fontes privilegiadas, aquelas que vivem entre as quatro paredes dos partidos. O pontapé inicial na campanha para as eleições de novembro foi dado no final do mês passado, dia 27/6, durante o debate, na rede de TV CNN, entre o ex-presidente Donald Trump, 78 anos (republicano), e o atual, Joe Biden, 81 anos (democrata), que ainda concorria à reeleição. Biden teve uma apagão mental durante o debate que colocou em dúvida perante a opinião pública e os seus parceiros de partido a sua capacidade de comandar a maior potência econômica e militar do planeta.
Biden tentou reagir nos dias seguintes. Mas acabou enfiando os pés pelas mãos, trocando nomes de pessoas e cometendo outros deslizes que aprofundaram a desconfiança dos seus partidários e dos eleitores sobre a sua condição mental. Mas antes de dar o próximo passo na nossa conversa gostaria de lembrar o seguinte. Antes do apagão mental de Biden tomar todos os espaços nobres da imprensa americana e outros países, incluindo o Brasil, as manchetes eram ocupadas por Trump, por conta da sua condenação pela Justiça por fraude contábil ao esconder, durante a campanha presidencial de 2016, quando venceu a candidata democrata Hillary Clinton, o pagamento de 130 mil para comprar o silêncio de uma atriz pornô com a qual manteve um relacionamento. Publiquei parte desse texto em 16 de julho, no post Todos condenaram o atentado contra Trump. Dizer que o elegerá é apressado. Trump ficou fora das manchetes até o sábado (13/7), quando sofreu um atentando durante um comício em Butler, na Pensilvânia. O jovem Mathew Crooks, 20 anos, usou um fuzil AR-15 para fazer vários disparos, ferindo o ex-presidente com um tiro de raspão na orelha direita e outras duas pessoas com gravidade. E matando o bombeiro voluntário Corey Comparato, 50 anos. Crooks foi morto pelos atiradores do Serviço Secreto – há matérias na internet. O atentado colocou Trump novamente nas manchetes ao redor do mundo. Biden foi empurrado para as notícias de pé de página. Na ocasião, a imprensa americana e a brasileira apostaram que o atentado elegeria o ex-presidente. Mas Trump não disparou nas pesquisas. A diferença entre ele e Biden na preferência dos eleitores permaneceu em 3% favoráveis aos ex-presidente. No auge da badalação em favor de Trump, na quarta-feira (18), Biden comunicou que estava com o Covid e se recolheu ao isolamento. Pronto, voltou às manchetes.
Agora, dando o próximo passo na nossa conversa, no domingo (28) Biden anunciou que desistiria de concorrer à reeleição e indicou para substituí-lo a sua vice-presidente, Kamala Harris, 59 anos, filha de imigrantes, a indiana Shyamala Gopalan Harris e o jamaicano Donald J. Harris. Foi procuradora da Justiça de San Francisco e da Califórnia, onde se elegeu senadora. Caso seja confirmada pelo partido como candidata, vai ser interessante assistir aos debates com Trump, que odeia ser contrariado por mulheres. Nas próximas semanas, os democratas deverão ocupar a primeira página dos jornais com o assunto da escolha do seu candidato nas eleições. Enquanto isso, os republicanos vão procurar um meio de voltar às manchetes. Até aqui fiz um relato do lado visível, as manchetes dos jornais, da disputa pela presidência dos Estados Unidos. Mas essa disputa também tem o lado das fake news, e neste particular os republicanos são mais organizados e eficientes que os democratas. Nas eleições de 2016, quando Trump ganhou de Hillary Clinton, os republicanos deram um banho nos seus adversários. Inclusive, na ocasião Trump esnobou a grande imprensa dizendo, ao berros, que os jornais tradicionais já eram. Comunicava-se com os seus eleitores pelas redes sociais. O ex-presidente é capaz de falar mentiras durante muitos minutos. Vai ser uma barra para os jornalistas ligados à cobertura do dia a dia. Além das mentiras, o ambiente deverá ser contaminado com os famosos “balões de ensaio”. Alguém cochicha uma dica nos ouvidos dos jornalistas e aguarda a repercussão pública.
Há uma história que os jornalistas precisam contar. Vejam bem. Em 2016, quando Trump venceu, a imprensa tradicional pela primeira vez lidou com as fake news feitas e distribuídas de maneira profissional. Também fomos surpreendidos pela arrogância de Trump para com a imprensa. Lembro-me que muitos colegas ficaram extremamente indignados com a arrogância do ex-presidente. Ele chegava atrasado nas entrevistas. Fazia piada a respeito dos repórteres. Na ocasião, li muitos artigos da imprensa americana sobre o assunto. Depois foi a vez da imprensa brasileira se surpreender com a arrogância do então presidente da República Jair Bolsonaro, 69 anos (PL). Bolsonaro seguiu os passos do seu colega americano para lidar com os jornalistas. Em 2020, Trump tentou a reeleição e foi derrotado por Biden. Dois anos depois, em 2022, foi a vez de Bolsonaro perder a reeleição para Luiz Inácio Lula da Silva, 78 anos. Nos dias atuais, os dois têm dezenas de problemas com justiça, respondendo por vários crimes. A imprensa tradicional produziu e publicou centenas de matérias sobre o trabalho destes dois personagens tentando derrubar o sistema democrático. Que novidade no fabrico das notícias mentirosas eles podem nos apresentar?