O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), faz de tudo para conseguir uma manchete de jornal. Dizer palavrões é uma das suas maneiras prediletas. Mas agora ele está exagerando. É sobre isso que vamos conversar. Começo lembrando que entre nós, jornalistas, é muito antiga a discussão sobre o uso de palavrões nos nossos textos e jamais chegamos a uma conclusão sobre como lidar com entrevistados que os usam em seu vocabulário. Lembro de uma história, que vou compartilhar. Quando comecei a trabalhar como repórter no final da década de 70 se discutiu muito nas mesas dos botecos sobre os textos para os jornais populares. Por que existia essa conversa entre os repórteres? Na época havia a censura prévia na imprensa imposta pelos militares que tinham dado o golpe de Estado em 1964. Para se passar para o leitor uma informação relevante era necessário escondê-la no meio do texto. E para fazer isso exigia-se do jornalista um domínio muito grande de várias áreas do conhecimento, como história, medicina e até matemática. Esse conhecimento servia para camuflar a informação. E era conhecido nas redações como “contrabando”.
Foi dentro desse contexto que surgiu uma linha de pensamento entre os jornalistas de que se deveria utilizar palavrões para tornar o texto dos jornais populares mais próximo do linguajar diário da população. Lembro que quando estava cursando jornalismo na Fabico, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos anos 70, existia entre nós uma conversa sobre usar os palavrões nos textos com o objetivo de conseguir se fazer entender pelos leitores dos jornais populares. Em 1985 acabou a ditadura militar, e com a ela a censura, e houve uma enorme evolução no texto dos jornais, que ficou limpo, elegante e preciso. Com a liberdade de imprensa, a discussão sobre o uso de palavrões no texto desapareceu. Hoje, quando o entrevistado diz um palavrão, o substituímos por pontinhos ou, no caso das TVs, pelo corte do som. É justamente aqui que entra Bolsonaro. O presidente sabe que os grandes jornais (site e papel) e os noticiários das TVs abertas e rádios não vão publicar os palavrões que ele dispara. Mas que, por não publicá-los, ficarão um grande tempo repetindo a notícia, como aconteceu, por exemplo, quando o presidente disse “caguei para CPI”. Se ele tivesse simplesmente dito que não dava importância para a cobrança da CPI (se referia à CPI da Covid do Senado, que pede dele uma explicação sobre a denúncia de compra de vacinas superfaturadas) seria uma apenas notícia perdida no meio do jornal. Como usou um palavrão, os noticiários ficaram por um longo tempo repetindo a história.
Claro, os grandes jornais não vão publicar palavrões. Agora, temos que começar a informar aos nossos leitores porque pessoas como o presidente do Brasil usam palavrões no seu linguajar do dia a dia para ganhar espaços nas manchetes. É uma técnica de ganhar espaço na imprensa sem dizer nada relevante. Apenas usando uma brecha para montar uma polêmica que leva a nada. No caso de Bolsonaro, o “caguei para a CPI” causou mais impacto do que o fato dele não ter uma resposta para a pergunta que lhe foi feita pelos senadores, que querem saber sobre o encontro que o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirma ter tido com o presidente, quando o informou da existência de irregularidades no Ministério da Saúde – a história toda está publicada e disponível na internet. Tenho dito nas minhas palestras que precisamos conversar sobre os textos jornalísticos. A popularização das redes sociais exige que se tenha uma conversa séria sobre a estrutura dos nossos textos. Por quê? Existem profissionais de alto nível estudando e procurando as brechas na maneira como tratamos os assuntos para nos colocar contra a parede. O presidente Bolsonaro faz isso de maneira instintiva. Lembro aos colegas que nos últimos anos houve uma guinada na sociedade no sentido de tratar os seus assuntos de maneira politicamente correta. Essa guinada se refletiu nos textos jornalísticos e qualificou o nosso trabalho, dando maior precisão aos assuntos que noticiamos. Nos últimos anos os textos jornalísticos têm sido orientados pelos manuais das redações. Com algumas pequenas diferenças, no essencial todos eles são semelhantes. Nas décadas que trabalhei em redação, eu sempre fiz cobertura de conflitos agrários, crime organizado e migrações nos sertões do Brasil. Um exercício que sempre fazia era assistir aos telejornais das TVs abertas junto com os moradores das cidades dos sertões onde estava de passagem a trabalho. A impressão que eu tinha era que eles não entendiam nada do que os apresentadores estavam falando. Mesmo quando se tratava de um assunto local que virou uma notícia nacional.
Já o palavrão é entendido por todos. Seja no centro financeiro do Brasil, a Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, ou em uma das estradinhas de chão batido em Mundo Novo, pequena cidade na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Não por outro motivo que pessoas como Bolsonaro usam o palavrão para passar a sua mensagem. O problema do presidente do Brasil nunca foi se comunicar com as massas, principalmente com os seus apoiadores. O seu problema tem sido não ter nada de relevante a dizer em suas mensagens. A ideia que o presidente dá é que é apenas um “desbocado”, como chamam quem diz palavrões nos sertões do Brasil. No sertão o palavrão e chamado de “nome feio”.