Ao contrário do seu ídolo, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), que compareceu aos debates com o seu adversário Joe Biden (democrata) quando tentou a reeleição em 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não irá aos debates com quem quer que sejam os seus adversários em 2022, quando tentará a reeleição. Como não foi quando se elegeu em 2018. Trump é um símbolo da arrogância. Mas tem um discurso articulado e habilidade de desorientar o seu adversário durante uma discussão. Durante um debate, Biden mandou Trump calar a boca para conseguir retomar a linha de raciocínio no seu argumento. Bolsonaro substitui a falta da habilidade no uso das palavras para enfrentar os seus adversários políticos por ofensas e gritaria. Ele faz isso há mais de três décadas e até agora tem dado certo, tanto que se elegeu presidente da República. Por que mudar?
Resposta à pergunta. Porque a situação mudou. Fatores que foram definitivos na eleição do atual presidente desapareceram, como por exemplo o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), da Operação Lava Jato, que decretou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula era o principal adversário de Bolsonaro. Moro virou ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro. O que significou a incorporação oficial da bandeira “contra a corrupção” ao governo. Devido ao envolvimento de um dos filhos parlamentares do presidente, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, em casos de corrupção e outros problemas, Bolsonaro fritou Moro, que se demitiu. Lula foi solto e conseguiu provar que Moro havia manipulado o julgamento dele e, com isso, readquiriu os seus direitos políticos. Pelas pesquisas atuais, Lula está na frente de Bolsonaro na disputa das próximas eleições. E outro fator relevante na eleição de 2018 foi o atentado sofrido pelo então candidato Bolsonaro. A soma desses fatores que citei e outros o elegeram sem exigir que mudasse um centímetro no seu modo de ser. Tanto que até hoje, no exercício do mandato, segue tendo o mesmo comportamento exótico que tinha quando era deputado federal pelo Rio de Janeiro, como acreditar na existência que drogas milagrosas – na época foi a pílula contra o câncer. Agora é a cloroquina contra a Covid-19, um vírus altamente contagioso e de um poder letal considerável, que já matou mais de 3 milhões de pessoas ao redor do mundo e 440 mil no Brasil.
Bolsonaro vai tentar a sorte nas eleições de 2022 sendo o que sempre foi: “boca de conflito” – termo usado nas redações da época da máquina de escrever para descrever uma pessoa sem freios na língua. Se ele entrar em debate com Lula, João Doria, Ciro Gomes ou qualquer outro candidato que tenha sangue nas veias vai acabar em luta corporal. Conversei com cinco amigos que há muitos anos trabalham em campanhas eleitorais. Um deles, o mais experiente, chamou a minha atenção para o seguinte: “O presidente vai seguir na sua linha de não debater, participar de comícios e carreatas e falar um monte de coisas, porque é o público dele que exige”. Respondi ao meu amigo: “Tchê, tu tá me falando o óbvio. Qual é a novidade?” Ele respondeu: “A turma do Bolsonaro está avaliando o que deu errado com a campanha de Trump, que perdeu para Biden. Pelo que está se desenhando, eles vão insistir na linha negacionista do vírus. Estão usando a CPI da Covid para ajustar a sua proposta”. Tenho acompanhado as sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado e, ao contrário do pensei, os depoentes têm evitado afirmar que são os responsáveis pelas lambanças que resultaram em 440 mil mortes. Mas os senadores que defendem o governo continuam batendo na tecla da cloroquina. Entendo que os depoentes tirem o corpo fora para evitar serem responsabilizados perante a lei. Um risco que os senadores não correm. Daí seguirem defendendo a cloroquina – que é uma droga sem efeito contra o vírus e ainda provoca efeitos colaterais que podem levar à morte.
Fiz uma pergunta hipotética aos meus amigos que trabalham em campanhas eleitorais. Se até a época que a campanha eleitoral esquentar todos estiveram vacinados no Brasil e a economia der sinais concretos de evolução, com crescimento no número de empregos, Bolsonaro vai para o debate com os outros candidatos? Eles foram unânimes em dizer que não acreditam porque a coluna dorsal da maneira do presidente falar com os seus apoiadores é discursar sem ser contestado. O que aprendi até agora com Bolsonaro? Ele não tem um plano para resolver os problemas que acontecem no dia a dia. Ele age usando o que tem de melhor nas mãos naquele momento. E sempre tem alguém para fazer o serviço sujo e jogar a culpa quando as coisas dão erradas. Fato: o que tem de diferente nas eleições de 2022 que nunca existiu em outra disputa eleitoral? A CPI da Covid do Senado, que vai colocar a digital do governo na morte de 440 mil brasileiros pelo vírus (até 29/05), no colapso do sistema hospitalar público e privado em várias ocasiões, na morte de centenas de pessoas asfixiadas pela falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e no interior do Pará por negligência do governo federal e pela falta de vacinas. Trump comprou as vacinas para os americanos. Mas foi derrotado pelo conjunto da obra do seu negacionismo da Covid-19. Olha: Trump não teve uma CPI da Covid.
Portanto, digo o seguinte: se Bolsonaro vai participar ou não dos debates, ele vai decidir na hora. Vai apostar forte nos comícios e nas carreatas. A maneira do presidente agir me lembra um episódio do início da minha carreira, lá por 1983, quando comecei a trabalhar na redação da Zero Hora. No verão enviavam equipes de jornalistas para fazer a cobertura da temporada de férias no Litoral do Rio Grande do Sul. As praias gaúchas são varridas por um insistente vento chamado de Nordestão. Certa vez, um colega entrevistou um velho delegado de polícia sobre a violência na praia. Ele colocou a culpa no Nordestão, que segundo ele deixava as pessoas sem controle. A matéria deu um reboliço e apelidaram o delegado de Nordestão.