Camaradagem da caserna e conexão da Bíblia abriram o caminho do cofre da Saúde

Os erros cometidos no governo Bolsonaro resultaram na morte de muitas pessoas pela Covid – 19. Foto: Reprodução

Não foi uma pergunta. Mas uma provocação que recebi de um jovem repórter do interior do Mato Grosso do Sul. Ele começou a conversa lembrando que o PT e o PSDB tiveram os seus companheiros dentro do Ministério da Saúde. Portanto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode ter os seus, no caso os militares da ativa, reserva e reformados, concluiu e perguntou: “Ok?”. Como todo o repórter de rádio, ele resumiu tudo em poucas palavras. Respondi: “Deixe-me explicar”. Por quê? É sobre isso que vamos conversar. Vamos aos fatos.

O governo do presidente Bolsonaro é diferente de todos os outros que ocuparam o cargo anteriormente porque a escala de valores é outra e foi determinada pelo poder de contágio e letalidade da Covid-19. Uma realidade jamais vista no Brasil e no mundo. Nos governos do PT e do PSDB, os rolos se davam na disputa política, no desempenho da economia, nos casos de polícia e em outras áreas. O atual governo assumiu em 2019 e até o início de 2020 os problemas enfrentados pela administração Bolsonaro eram idênticos aos dos outros presidentes. Em março de 2020, quando a pandemia foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tudo mudou. O desempenho dos governos passou a ser avaliado pela sua política de combate ao vírus. Desde então, diariamente, nos lares brasileiros e dos outros países ao redor do planeta, o número de mortos pelo vírus assumiu a manchete dos noticiários noturnos de TV e não saiu mais de lá. Bolsonaro fracassou na sua política de combate à pandemia porque transformou o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus em política do governo.

E quando surgiu a solução contra o vírus, a vacina, o governo Bolsonaro deixou de comprar as doses quando lhe foram oferecidas e até hoje o país está vacinando a sua população a conta-gotas. O Brasil está entre os países com o maior número de mortos pelo vírus, 560 mil. Pelo menos 300 mil pessoas poderiam ter sido salvas se o governo tivesse feito a coisa certa. Lembrei ao meu jovem colega. E acrescentei. Evidentemente que, obedecida a lei, o presidente da República pode colocar dentro do Ministério da Saúde quem for do seu interesse. Mas a pergunta que estão fazendo a Bolsonaro não foi feita para os outros presidentes porque a situação não existia. Querem saber qual é a responsabilidade das pessoas colocadas para trabalhar na Saúde pelas mortes causadas pela Covid. Não é por outro motivo que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, investiga qual é a responsabilidade da militarização do Ministério da Saúde na lambança que se tornou a pasta. Os senadores já descobriram a estrutura do “modus operandi” de como foram abertos os caminhos rumo ao cofre da Saúde por empresas de militares e pastores evangélicos que fizeram lobby tentando vender vacinas que não tinham.

Aqui lembro a minha resposta ao jovem repórter lá no início do texto quando fui perguntado se Bolsonaro pode colocar “os seus” no governo como fizeram o PSDB e o PT. Respondi: “Deixe-me explicar?” A explicação é a que escrevi. A militarização do governo feita pelo presidente Bolsonaro é a principal responsável pelos 560 mil mortos. Por quê? Ele só colocou nos postos-chaves do Ministério da Saúde pessoas que concordassem com seu negacionismo em relação ao vírus, como o ex-ministro da Saúde e general da ativa do Exército Eduardo Pazuello – há matérias na internet. Portanto, a resposta à pergunta feita pelo colega radialista é que a discussão agora é quem são os responsáveis pelas mortes. Aqui um bastidor da nossa conversa. Sempre viajei muito pelo interior do Brasil fazendo reportagens e dessa forma estabeleci uma rede de contatos nas redações, principalmente das emissoras de rádio, muito boa e que faço questão de conservar. Fazer jornalismo no interior não é fácil, especialmente nas pequenas cidades. Por quê? Geralmente a principal receita de anúncios vem da prefeitura municipal. O que significa um alinhamento automático do dono da rádio, ou do jornal, com quem ocupa a cadeira de prefeito, não interessa o partido. Essa situação vem mudando. Mas de maneira lenta. Mais ainda: hoje a máquina de fake news do governo federal tem como um dos seus alvos as pequenas cidades do interior, principalmente as espalhadas pelas regiões de produção de soja, aves e suínos, os três principais esteios do agronegócio brasileiro. Portanto, habitadas pela classe média rural. Dentro de uma realidade dessas, quanto mais bem informado o repórter estiver, melhor a chance que ele tem de não comprometer a qualidade do seu trabalho e com isso se manter relevante para o seu leitor ou ouvinte.

Arrematei a minha conversa com o jovem repórter do interior do Mato Grosso do Sul lembrando a ele que a disputa política nas cidades pequenas do interior do Brasil é feroz. E que até agora os problemas nacionais que eram o centro da política, como foi a Operação Lava Jato, em 2019, chegavam lá pelos noticiários nacionais e acabavam servindo de argumento nos palanques durante os discursos dos candidatos locais. Mas não se tinha um exemplo local. Com a pandemia causada pela Covid é diferente. Todas as cidades do Brasil tiveram casos de pessoas mortas pelo vírus. Existem viúvas, viúvos, filhos que perderem seus pais e gente que chora a morte de amigos para o vírus. Essa situação nunca tinha acontecido antes. E no meio dessa confusão foram descobertos militares usando os seus laços de amizade com os seus colegas de caserna e pastores empunhando a Bíblia para tentar tirar proveito da situação. Não tem como a máquina de fake news governamental varrer para baixo do tapete uma situação dessas. É simples assim, como diz o general Pazuello.

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