Com a saída do ministro Flávio Dino, 55 anos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como fica o compromisso do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de descobrir quem mandou matar a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL)? Ela foi metralhada e morta com o seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Uma força-tarefa formada pelo Ministério Público estadual e a Polícia Civil do Rio prendeu os dois pistoleiros de aluguel que fizeram os disparos, os ex-policiais militares e milicianos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Ao assumir o ministério, na primeira segunda-feira (2/1) do ano, Dino disse que era uma “questão de honra” para o Estado brasileiro resolver o caso Marielle. Agentes e recursos técnicos da Polícia Federal (PF) estão ajudando a força-tarefa na investigação sobre quem foi o mandante do crime. Em que estágio estão as investigações é um assunto que os policiais guardam a sete chaves. O que Dino sabe sobre o assunto e pode falar sem prejudicar a investigação, antes de vestir a toga do Supremo Tribunal Federal (STF)?
Dino deve ficar mais algumas semanas no ministério. Ele foi indicado para o STF por Lula e teve a indicação aprovada pelo Senado na semana passada. Deverá tomar posse nos primeiros meses de 2024. Lembro que é importante a demonstração de interesse do governo federal em ajudar a resolver crimes que estão caminhando a passos largos para a prateleira dos casos insolúveis, como a história do mandante da morte de Marielle (38 anos, na época da execução). O interesse federal dá esperança a inúmeras famílias espalhadas pelo Brasil que sofrem com um drama semelhante. Só para se ter uma ideia da dimensão do problema: segundo o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2011 a 2021 aconteceram 126 mil homicídios sem solução no Brasil, sendo que 40% poderiam ser resolvidos. Um exemplo dessa situação. Um dos motivos do Rio Grande do Sul ocupar lugar de destaque nas estatísticas de crime contra as mulheres reside justamente no elevado número de casos de feminicídio sem solução, sendo que em um bom número deles a polícia sabe quem é o assassino, mas não consegue prendê-lo porque não encontrou o corpo da vítima e as provas que dispõe não são suficientemente robustas para pedir a prisão do suspeito. É o caso de Cláudia Hartleben, professora de biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Em de abril de 2015, Cláudia (47 anos, na época) entrou em casa e nunca mais foi vista. A investigação policial apontou três suspeitos. O corpo dela nunca foi encontrado e o caso foi encerrado por falta de provas. A professora faz parte de um grupo de mulheres que eu chamo de “as procuradas vivas ou mortas” Até as pedras dos calçamentos das cidades onde moravam sabem o que aconteceu, mas os suspeitos estão soltos por não existir um cadáver. Vou dizer uma coisa, mas antes vou escrever umas palavras que considero importantes. Sou um velho repórter estradeiro, tenho 73 anos de idade e quase 40 como repórter, sendo três décadas trabalhando em redação de jornal. Portanto, tenho experiência em lidar com crimes. Digo que os crimes nos quais as vítimas somem são os que causam a maior devastação emocional nas famílias porque elas não sabem o que aconteceu e aguardam a todo o momento a volta do familar desaparecido.
Um dado do Atlas da Violência que citei diz que 40% dos crimes sem solução poderiam ser resolvidos. Creio ser relevante destrinchar essa informação. O repórter aprende na redação do jornal que dificilmente os crimes que não são resolvidos na primeira semana de investigação serão solucionados. Por quê? São muitos motivos. Mas vou citar dois que considero os mais importantes. O primeiro é a falta de pessoal e equipamentos nos laboratórios de perícia criminal. O segundo motivo é a demora das empresas telefônicas e de internet para fornecerem os dados dos investigados que são requisitados pela polícia, com autorização da Justiça. Uma investigação, seja ela jornalística ou policial, é uma coisa dinâmica, em que as informações conduzem o investigador na solução do caso. Logo que comecei na profissão de repórter, em 1979, estava de plantão na redação em um fim de semana quando ouvi de um policial um comentário que nunca mais esqueci. Ele disse: “Só nos filmes os resultados das perícias chegam rapidamente. No mundo real, a conversa é outra, eles demoram muito”. Na falta das perícias e das informações das empresas telefônicas e de internet, a investigação policial fica ancorada no conteúdo dos depoimentos das testemunhas. O que é uma casca de banana para o investigador porque é justamente a perícia que valida, ou não, o testemunho. Nos últimos anos, o que tem ajudado muito a investigação é a proliferação de câmeras de vigilância nas cidades. Tanto que a primeira providência que o investigador toma hoje em dia é procurar as imagens do local do crime registradas pelas câmeras de vigilância.
Destrinchei a informação sobre os 40% dos crimes sem solução para alertar o leitor e os colegas repórteres, em especial os jovens que estão na correria da cobertura do dia a dia nas redações, sobre as carências das perícias criminais. O governo federal pode auxiliar, e muito, os estados a resolverem o problema das perícias. Se isso acontecesse, a taxa de solução dos crimes aumentaria. Conheci um delegado dos tempos das máquinas de escrever nas redações que costumava dizer que não existe crime perfeito. Mas sim investigação mal feita. Nos dias atuais, uma investigação bem feita depende das perícias. Sem essas informações o inquérito policial, peça-chave do processo, fica vulnerável.