Pelo quadro que está se cristalizando em relação aos candidatos que vão concorrer à Presidência da República em 2022 já podemos afirmar com um grau considerável de certeza que nenhum jornalista morrerá de tédio. Muito menos os eleitores. Será o primeiro debate na TV depois da redemocratização do país, em 1985, em que os candidatos deixarão de lado o linguajar polido e irão direto para o ataque com palavras duras. Lembro que isso já aconteceu em 2020, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, durante um debate na TV, quando o então presidente Donald Trump (republicano) buscava a reeleição contra Joe Biden (democrata). Trump tentou desestabilizar o seu adversário usando um linguajar agressivo e não respeitando a sua vez de falar. Biden não teve dúvidas e respondeu aos gritos: “Você pode calar a boca, cara?”. Na sequência do debate, ele chamou Trump de “palhaço”. Em 6 de outubro de 2020, publiquei o post “O dia em que Biden foi o rei da Espanha. E Trump foi Hugo Chávez”. Previ que Biden tinha ganho as eleições no momento em que conseguiu calar o seu adversário. Acredito que os debates na TV na eleição brasileira terão um tom semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos. Por quê? É sobre isso que vamos conversar.
A maneira de fazer política no mundo mudou em 2016, nas eleição de Trump. Ele usou uma estratégia montada pelo seu assessor Steve Bannon que tem como núcleo uma poderosa máquina de espalhar fake news associada com um linguajar agressivo do candidato contra a imprensa e o seu adversário. Trump disputou a presidência com Hillary Clinton (democrata). Nas eleições de 2018, Bolsonaro seguiu a trilha deixada por Trump, a quem elegeu como seu herói. Durante todo o seu governo, o presidente do Brasil tem usado o palavrão e o esculacho para agredir os adversários e até os aliados. Há um vídeo na internet de uma famosa reunião do presidente com os seus ministros em 2020 onde, de cada dez palavras ditas por ele, seis eram palavrões. Se irá ou não aos debates com os candidatos na TV, ele decidirá 24 horas antes. Essa é a sua maneira de agir. Não temos bola de cristal para ver como seria um debate entre Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), o ex-juiz federal Sergio Moro (Podemos), o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), e a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Pelo que conhecemos da maneira de agir dos adversários de Bolsonaro podemos afirmar que são pessoas calejadas no embate político e estão preparados para o que der e vir. A maneira como os democratas conseguiram neutralizar as estratégias de Trump vem sendo estudada pelos estrategistas de campanhas políticas. Aqui temos que prestar atenção ao perfil dos candidatos. Lula é sindicalista e passou uma boa parte da sua vida “descascando abacaxi” nas negociações que conduzia durante as greves. Não leva desaforo para casa. Moro abandonou a carreira de magistrado para ser ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. Passou um ano e alguns meses ouvido desaforos do presidente. Ele não tem o dom da palavra. Mas sabe onde bater no seu ex-chefe. Ciro Gomes é um “cabeça quente” e não tem trava na língua. Mas usa a palavra de maneira estratégica. Doria já enfrentou e venceu Bolsonaro no caso da vacina contra a Covid-19. Fez uma parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac e produziu a vacina Coronavac, que foi enfiada garganta abaixo do governo federal. A senadora Tebet não deixa nenhuma ofensa sem resposta. E sabe como fazer os seus adversários revelarem os seus segredos. Foi assim que ela ganhou a simpatia dos brasileiros na Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, CPI da Covid.
O debate na TV para o atual presidente é um terreno hostil, porque nenhum desses candidatos mencionados é “marinheiro de primeira viagem” na política. Portanto, não se deixarão intimidar pela gritaria do presidente. Conversei com três profissionais que trabalham em campanha política. Na avaliação deles, Bolsonaro só vai participar de um debate na TV se falhar a sua estratégia de fazer campanha participando de comícios e nas redes sociais. Nesse tipo de estratégia, argumentam os profissionais, o presidente vai lá e vende a sua versão dos fatos e não tem ninguém para contestá-lo.
O fato é o seguinte. Bolsonaro é um político calejado na arte de batalhar por votos. Está na vida política há quase 40 anos. Nas últimas semanas tenho ficado atento às conversas dele que vão para o ar na íntegra pelas TVs, rádios e sites bolsonaristas. Ele já montou a história que vai contar para tentar se reeleger. É uma história simples, em que ele é o herói perseguido pelos inimigos do povo. É do jogo. Todo candidato conta uma história. É assim que funciona. O que o presidente não entendeu, e os seus ministros e seus filhos parlamentares Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado por São Paulo, não falam para não contrariá-lo é que o seu grande adversário nas eleições de 2022 é o relatório da CPI da Covid. Ali estão as digitais do presidente nas 600 mil mortes causadas pelo vírus no Brasil. E nas cenas de horror como foi a falta de oxigênio nos hospitais de Manaus e do interior do Pará que causaram a morte por asfixia de dezenas de pessoas. Até agora (novembro de 2021), Bolsonaro é o único presidente no mundo que teve a sua atuação na pandemia investigada por uma CPI. Contribuiu para a derrota nas reeleições de Trump o fato dele ser negacionista em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus. Morreram mais de 700 mil americanos da Covid. No Brasil, certamente que o relatório da CPI da Covid vai influenciar nas eleições. Parte importante da atual crise econômica do Brasil tem a ver com a abordagem dada pelo governo Bolsonaro à pandemia.