No final de novembro, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 61 anos, tirou das manchetes dos jornais da América do Sul o novo presidente da Argentina, Javier Milei, 53, que se tornara notícia de destaque graças à exótica campanha que o elegeu, na qual empunhava uma motosserra, gritava palavrões, prometia dolarizar a economia e romper com os dois maiores parceiros comerciais do país, o Brasil e a China, entre outras coisas. Maduro virou notícia ao dizer que iria tomar na mão grande uma boa parte do território da Guiana, a região conhecida como Essequibo, uma área de 160 mil quilômetros quadrados rica em petróleo e minerais e onde vivem 125 mil dos 800 mil habitantes do país. Inicialmente, os noticiários diziam que se tratava de mais uma bravata de Maduro, que governa o país desde 2013. As notícias começaram a mudar de tom quando, no início de dezembro, ele realizou um plebiscito e os venezuelanos votaram pela anexação da área. Nos dias seguintes ao resultado das urnas foi publicado um novo mapa da Venezuela com a área anexada. E nomeado um governador e criados programas sociais para assistir os moradores de Essequibo.
Nos minutos seguintes ao presidente Maduro apresentar o novo mapa da Venezuela a imprensa começou a comparar o poderio militar dos dois países. As Forças Armadas venezuelanas têm 125 mil homens, navios de guerra, aviões de caça, tanques e artilharia. As Forças Armadas da Guiana têm 3 mil efetivos mal treinados e sem equipamentos. Um confronto entre os dois exércitos seria um passeio para as tropas da Venezuela. Mas, para dar esse passeio, precisariam passar pelo território brasileiro. O ministro da Defesa do Brasil, José Múcio, 75, disse que as tropas venezuelanas não passariam pelo território nacional e reforçou as unidades militares em Roraima, estado que faz fronteira com a Venezuela. A Força Aérea dos Estados Unidos mandou caças sobrevoarem a fronteira da Guiana com a Venezuela. Os americanos têm grandes investimentos na região. Nessa altura dos acontecimentos, essa história já virou notícia global, ao lado da guerra entre Israel e o Hamas, movimento fundamentalista que governa a Faixa de Gaza, na Palestina, e entre a Rússia e a Ucrânia. Todos os jornalistas ao redor do mundo sabem que se o presidente Maduro quiser fazer uma aventura, ele faz, por ser um ditador, que não depende da autorização de ninguém para começar uma guerra. Basta querer. Isso é um fato. E não é por outro motivo que o presidente da Guiana, Irfaan Ali, 43, tem pedido a ajuda das Nações Unidas (ONU) e dos governos dos Estados Unidos e do Brasil.
A área é reivindicada pela Venezuela há mais de 100 anos – há abundância de matérias disponíveis na internet. Por que agora a bronca? Na opinião dos adversários políticos, Maduro, que está no poder há 10 anos, resolveu reclamar a posse da área para mobilizar os seus eleitores, já mirando as eleições presidenciais que estão previstas para o próximo ano na Venezuela. Se foi essa a intenção dele, acabou exagerando na dose e tornou a história uma notícia globalizada. E agora, o que ele vai fazer com os seus 15 minutos de fama? Vamos saber na quinta-feira (14/12). O primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, país do Caribe, Ralph Gonsalves, articulou um encontro entre Maduro e Ali para discutir o caso. Os jornais deram como manchete que os dois presidentes concordaram com o encontro. Também foi convidado o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Chamo a atenção para uma questão nesse rolo que não está merecendo o devido destaque da imprensa. É o seguinte. Esse episódio começou sendo tratado como uma bravata de Maduro e hoje é noticiado como se fosse um fato real. Mas o que é real nessa história? Apenas movimentos publicitários do presidente da Venezuela, como a publicação de um novo mapa do seu país. Olha, entre fazer um mapa e de fato anexar a área vai uma enorme diferença. A história toda está parecendo mais uma peça publicitária do que uma operação militar. Realmente, o plebiscito, o mapa, a nomeação do governador e outras coisas anunciadas deram o carimbo de uma situação real que na verdade é apenas um blefe. Pergunto para os leitores e os colegas jornalistas, nós temos como escapar dessa situação, de publicar bravatas como se fosse verdade? Não, porque da forma como estruturamos o texto de uma notícia temos como regra abrir a informação pelo fato novo. E a contextualização fica por conta dos comentaristas políticos e econômicos. Não estou pregando que em cada notícia se anexe um histórico do fato. Mas podemos colocar uma palavra para alertar o leitor que a notícia pode ser uma bravata.
Por falar em bravata, no domingo (10/12) o presidente da Argentina, que se elegeu fazendo uma campanha mirabolante, voltou às manchetes dos jornais. Ele tomou posse iniciando o seu mandato. Na imprensa do Brasil ganhou espaço a presença na solenidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e sua comitiva. Resumindo o discurso de Milei na solenidade: disse que não era mágico para resolver os complexos problemas econômicos do país em um piscar de olhos. Durante a campanha falou que tinha a solução dos problemas, como a dolarização da economia. Se não houver nenhum fato extraordinário nos primeiros dias do governo Milei, o caso da Venezuela com a Guiana deve voltar às manchetes porque na quinta-feira está previsto o encontro entre os dois presidentes. E quanto tempo ficará lá vai depender do que irá ocorrer nesse encontro entre Maduro e Ali. Pode acontecer de tudo, como pode não dar em nada.