Há uma história que precisa ser esclarecida com urgência pela imprensa nacional, em especial a gaúcha. É preciso explicar para os leitores a qualidade dos consertos feitos no sistema de defesa contra as cheias de Porto Alegre. Porque, em dois meses e alguns dias, no final de setembro, acontecem as “enchentes de São Miguel”, como são chamadas pelos gaúchos as fortes chuvas que tradicionalmente caem nesta época do ano. Pode não ter enchente. Mas, se tiver, vamos pagar para ver o que acontece? É responsabilidade da imprensa não deixar que essa situação se transforme em uma roleta-russa. Vamos a nossa conversa.
Começo contextualizando a história. O sistema contra as cheias de Porto Alegre tem 68 quilômetros de diques (como a Avenida Castelo Branco), o Muro da Mauá (uma parede de três metros de altura e 2,6 quilômetros de extensão que protege a área central), 14 comportas e 23 casas de bombas. Foi construído na década de 70 com o objetivo de evitar que se repetisse as cheias de 1941, quando as águas do Guaíba subiram 4,76 metros, e de 1967. Ambas alagaram o Centro da cidade. Em 2024, completam-se 50 anos da existência do sistema. No começo de maio, o Rio Grande do Sul sofreu a terceira enchente no intervalo de nove meses (as outras foram em setembro e novembro de 2023), e desta vez as águas do Guaíba subiram 5,61 metros e destruíram tudo pela frente, a começar pelo sistema de prevenção contra cheias da Capital, que entrou em colapso, principalmente por falta de manutenção. Em consequência, o Centro Histórico de Porto Alegre, vários outros bairros, a Estação Rodoviária e o Aeroporto Internacional Salgado Filho ficaram debaixo de vários metros de água. Os alagamentos causaram, ainda causam e vão continuar causando prejuízos por muitos meses para a economia gaúcha, em especial o turismo, o comércio, a indústria e a prestação de serviços. Aqui lembro o seguinte. Três semanas depois da última enchente uma chuva forte caiu sobre Porto Alegre. Foi um deus nos acuda, porque os alagamentos atingiram várias áreas, e não somente aquelas que já sofriam com a enchente do Guaíba. Os alagamentos aconteceram por dois motivos: primeiro, porque o sistema de esgoto pluvial estava entupido com lixo e destroços deixados pela enchente e, segundo, porque não estavam funcionando as 23 casas de bombas que têm a função de jogar as águas dos esgotos pluviais para fora da cidade. Hoje (final de julho) a situação mudou. A maioria dos destroços foi recolhida, as redes pluviais estão sendo limpas e as casas de bombas estão funcionando. É isso que temos noticiado. Terminada a contextualização e continuando a história, a pergunta é: os consertos feitos no sistema de contenção contra as cheias de Porto Alegre, principalmente as casas de bombas, vão resistir caso aconteçam as enchentes de São Miguel? Se houver problemas com os reparos é real o risco da Estação Rodoviária e o Salgado Filho ficarem expostos aos alagamentos. Lembro que os governos federal, estadual, municipal e as empresas concessionárias da rodoviária e do aeroporto estão gastando milhões para recuperar os estragos feitos pelas enchentes.
As notícias que temos publicado sobre esses consertos são muito vagas. Estamos dando prioridade em esmiuçar os planos de atualização do sistema contra as cheias. É lógico fazer a atualização. Mas manda o bom senso que seria prudente recuperar antes o sistema. Tratei do assunto no final de maio no post Sistema contra as cheias de Porto Alegre é velho, mas funcionava. Precisa ser consertado. Sou um velho repórter estradeiro, 73 anos, quase quatro décadas de profissão lidando com conflitos sociais e crime organizado. Sei que estamos às portas das eleições municipais. E que os estragos feitos pela três enchentes em Porto Alegre estarão no centro da disputa entre os candidatos a prefeito e vereador. O prefeito da Capital, Sebastião Melo, 66 anos (MDB), busca a reeleição. Mas a campanha eleitoral é problema dos candidatos. O nosso é mostrar para o leitor a qualidade dos consertos feitos no sistema contra as cheias e indagar os técnicos se ele resistirá a uma nova enchente. Se não fizermos isso, quem fará? Usei a história das enchentes de São Miguel como uma oportunidade para falar sobre a qualidade dos consertos no sistema contra cheias – há um vasto material sobre o assunto disponível na internet. O fato é o seguinte. Historicamente, setembro é um mês de chuvas abundantes no Rio Grande do Sul. Optei por colocar a Capital no foco principal da nossa conversa por ser o centro nervoso do Estado: aeroporto, rodoviária com itinerários de ônibus para todas as cidades, complexo hospitalar e serviços públicos. Tenho viajado pelo interior do Rio Grande do Sul e por todos os cantos tenho visto obras em pontes e estradas, de contenção de encostas, entre outras. A maior reclamação que ouvi dos empreiteiros envolvidos com as obras é que os solos ainda estão encharcados pelas três enchentes, o que dificulta a velocidade do trabalho de recuperação.
Os grandes jornais precisam se dar conta do seguinte. Os danos provocados pelas três cheias ainda não foram totalmente sanados no território gaúcho. Tem muita coisa pendente para ser consertada que precisa virar notícia. Caso contrário, não será resolvida. Claro que as redes sociais ajudam a pressionar as autoridades a fazerem o seu serviço. Mas nada como um repórter batendo na porta do responsável.