Corrupção no governo nasceu no negacionismo e na arrogância do Bolsonaro

Os ministros Queiroga (Saúde) e Rosário (Controladoria) dando a versão do governo a respeito do suposto caso de corrupção denunciado pelos irmãos Miranda. Foto: Reprodução

Nos dois casos de suposta corrupção na compra pelo governo das vacinas Covaxin e AstraZeneca, as responsabilidades do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), vão ser determinadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, e pela Justiça. Mas há um detalhe nesse episódio em que nós jornalistas não precisamos usar a palavra “supostamente”. É o berço onde nasceram esses dois casos, que foi no ambiente criado no ventre do governo pelo negacionismo do presidente em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus, o que transformou o Ministério da Saúde em uma lambança ao ponto do atual ministro, o médico Marcelo Queiroga, ser o quarto a ocupar o cargo. E também na arrogância do presidente da República, que usa como idioma oficial do seu governo o palavrão e a fake news com o objetivo de proteger o seu projeto político, que se resume ao bem-estar da sua família. Em um ambiente desses, as únicas pessoas que se submetem a trabalhar são os que precisam do emprego e os oportunistas, pessoas que têm interesses particulares. Vamos aos fatos.

A palavra corrupção no governo ganhou corpo na última semana. Na sexta-feira (25/06), os irmãos Miranda sacudiram o governo com uma denúncia. Luis Ricardo, funcionário de carreira do Ministério da Saúde, disse que sofreu pressões para liberar o pagamento da vacina indiana Covaxin. O seu irmão, Luis Miranda, deputado federal (DEM-DF), bolsonarista de carteira, o levou até o presidente, quando foi feita a denúncia e dado os nomes dos responsáveis pela pressão – há matéria na internet. Bolsonaro disse que encaminharia a denúncia para a Polícia Federal (PF). Não encaminhou. E os irmãos foram tratados pelos bolsonaristas e autoridades federais como conspiradores. Na terça-feira (29/06), Queiroga e o ministro-chefe da Controladoria-geral da União (CGU), Wagner Rosário, falaram sobre a denúncia. Queiroga foi breve nas suas palavras. Mas Rosário foi mais explicativo. Ele disse: “A gente suspendeu por uma medida simplesmente preventiva, visto que existem denúncias que não conseguiram ser bem explicadas pelo denunciante. Então abrimos uma investigação preliminar na semana passada, uma auditoria específica em relação ao contrato”. Aqui é o seguinte: os irmãos Miranda deram nomes, datas e especificações claras de como aconteceu a tentativa de corrupção. Pelo que li do currículo de Rosário, é consistente. Ele é capitão do Exército e tem vários cursos de especialização.

Rosário é arrogante. E o que falou sobre o caso dos irmãos Miranda é incrível. Ou ele não leu tudo o que publicamos sobre o assunto. Ou, o que é mais provável, está tentando consolidar a versão do governo sobre o assunto. Na quarta-feira (30/06), a denúncia do jornal Folha de São Paulo, feita pela repórter Constança Rezende, virou assunto nacional. A reportagem fala que o empresário Luiz Paulo Dominguetti Pereira ofereceu para o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, um lote de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca (a U$ 3,50 a dose). Dias cobrou a propina de um dólar por dose – há matérias na internet. O negócio não se consolidou. Dias foi demitido pelo governo. O fabricante da AstraZeneca tem um consórcio com a Fiocruz, do Rio de Janeiro. Portanto, a Fiocruz é a sua representante no Brasil. Não se sabe a origem do lote que Dominguetti estava oferecendo para venda. Há muitas pontas soltas nesse caso que devem ser explicadas com a ida de Dias e Dominguetti à CPI da Covid. Mais ainda: a história ainda não está explicada direito porque, durante o diálogo com Dominguetti, Dias falou que havia uma organização na Saúde conhecida como “grupo”, que comanda as compras do ministério. Voltamos a usar a palavra “supostamente”. Não estamos tratando de um caso simples de corrupção. As lambanças feitas pelo governo em nome do negacionismo já causaram uma boa parte dos 512 mil mortos pelo vírus. Até agora o motivo para as lambanças eram porque o presidente da República não acredita na ciência e prega uma maneira exótica de tratar o vírus, como o uso da cloroquina, uma droga sem efeito. A história da corrupção mudou tudo.

O que a história da corrupção mudou? “Supostamente” ela mostra que os atrasos na compra de vacinas tinham algum motivo a mais do que a questão do negacionismo. A pergunta é: o presidente sabia que tinha gente tentando ganhar dinheiro ilícito com as vacinas? Até que ponto os supostos casos de corrupção atrasaram a compra dos imunizantes? Como disse, não se trata de um caso “supostamente” com problemas de corrupção. Lembro que sempre uma CPI é criada, nós escrevemos que todo mundo sabe como ela começa, mas não sabe como termina. Nada mais verdadeiro para a CPI da Covid. Ela que começou tendo como foco encontrar os culpados pelas mortes, agora entra em uma nova fase com a descoberta da “suposta” corrupção. Sabe-se lá o que vai acontecer.

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