A história é antiga, tem lá os seus 63 anos. Mas lembro o essencial e vou contar porque se encaixa no que está acontecendo na apuração das eleições presidenciais dos Estados Unidos. O que lembro? Eu nasci em Santa Cruz do Sul e me criei em Encruzilhada, uma pequena cidade encravada na Serra do Sudeste, região muita fria no inverno gaúcho. Todos os domingos, no início da tarde, havia a sessão de matiné no cinema do seu Giovanne. Horas antes de começar o filme, a maioria dos jovens da cidade se reunia na frente do cinema para trocar revistas em quadrinhos, que na época se chamava gibis. Foi ali que troquei um gibi do Tarzan por um da Guerra dos Mundos. A história me impressionou. Os marcianos invadem a Terra com máquinas tecnologicamente superiores a todos os tipos de armas que existiam, derrotam os exércitos e começam a matança da população civil. Até que, do nada, as máquinas marcianas começam a parar. Os marcianos tinham sido mortos por uma bactéria.
A moral de Guerra dos Mundos, romance escritor pelo britânico H.G. Wells em 1897, é que um ser microscópio conseguiu parar uma poderosa máquina. Em 2016, o estrategista político Steve Bannon conseguiu montar uma máquina de manipular fatos que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos. Um dos pilares dessa máquina foram as fake news. Esse mesmo modelo foi usado no Brasil para eleger o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A estratégia abriu espaço para o ressurgimento de movimentos como a Ku Klax Klan, neonazismo, ocultismo, terraplanismo e oportunistas de todos os calibres. Durante todo o seu mandato, Trump tinha como esporte predileto chutar as canelas dos jornalistas e desacreditar os meios de comunicação. A estratégia criada por Bannon é uma atualização tecnológica da usada por Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista – há livros e estudos que fazem essa comparação. É opinião dos especialistas, incluindo cientistas sociais, que Trump seria reeleito com tranquilidade se não tivesse encontrado pela frente a Covid-19, que é causado por um vírus, portanto bem menor que uma bactéria.
Lembro o último diálogo do personagem do gibi de Guerra dos Mundos. Ele falava que a bactéria que tinha matado os marcianos era inofensiva aos humanos. Não é o caso da Covid-19. Até agora, não há um remédio com 100% de eficiência contra a doença e vacina ainda está sendo testada. O isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é a única estratégia eficiente que se tem para lidar com o vírus, que já matou mais de 1 milhão de pessoas ao redor do mundo e infectou 20 milhões. Nos Estados Unidos, até agora foram 234 mil mortos e 9,5 milhões de infectados. Trump é negacionista em relação à letalidade do vírus. E culpa os chineses pela existência da Covid-19. A estratégia em relação teve sucesso até começarem a aparecer nos noticiários das TVs os caixões com as vítimas da doença. Como aconteceu nos anos 60, o apoio dos americanos à Guerra do Vietnã (1959 a 1975) começou a ruir quando os caixões dos soldados mortos no conflito começaram a aparecer nos noticiários. A Covid-19 matou cinco vezes mais americanos do que o conflito no Vietnã.
Já se publicou muitos livros, estudos e reportagens sobre Trump. Não li nada sobre as crenças dele em relação a doenças. O que sabemos é que ele teve um comportamento negativista em relação à Covid-19, seguindo a linha da estratégia da máquina que o elegeu. Negar o vírus e distribuir fake news sobre a doença o manteve como figura central nesse caso. A verdade sobre a letalidade do vírus acabou corroendo a imagem do presidente dos Estados Unidos. Acompanhei de perto toda a disputa eleitoral entre Trump e Joe Biden e agora estou assistindo à apuração dos votos. Neste momento (são 8h do dia 5/11, em Porto Alegre-RS), Biden está na frente. Mas ainda tem muita água para rolar por baixo da ponte até o final da apuração. O que existe de concreto é que a queda da eficiência da máquina de fake news de Trump é visível. Basta prestar atenção aos conteúdos das redes sociais e dos noticiários. Seja lá qual for o resultado final das eleições dos Estados Unidos, o fato é que Trump é o presidente americano que mais usou a fake news como um instrumento de governo. É por aí, colegas.