É grande demais para ser encarcerada a história política de Lula

Os sindicatos, os movimentos sociais e pastorais construíram a figura política do Lula. Foto: MST

O cidadão Luiz Inácio Lula da Silva não está acima da lei. Mas a história  política de Lula (PT – SP) é grande demais para ser encarcerada. Ele foi, é e sempre vai ser um braço do sindicalismo progressista e dos movimentos sociais e  pastorais. Organizações nascidas nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB), nas lutas pela democratização do país durante o Regime Militar (1964 a 1985). As duas eleições de Lula para presidente da República (2003 a 2011) foram consequências das lutas dos militantes dessas organizações. A possibilidade de Lula ser preso é real. Ele foi condenado em primeira e segunda instâncias no caso do apartamento triplex , em Guarujá (SP) –  tem dezenas de matérias na internet. No ano passado, o juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, de Curitiba (PR), condenou Lula a 9 anos e seis meses por corrupção. Em janeiro, a sentença de Moro foi confirmada e ampliada para 12 anos e um mês, de maneira unânime, pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luis dos Santos Laus, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF – 4), em Porto Alegre (RS).

Até agora, é esse o contexto que aponta para a seguinte pergunta: o que acontecerá no Brasil, no dia seguinte à prisão de Lula? A primeira ideia que surge é a do que está acontecendo no país vizinho, a Venezuela, onde a luta política está arruinando o país. Pelas diferenças políticas, econômicas e sociais existentes entre os dois países, é improvável que o Brasil se transforme em uma Venezuela. Poderá acontecer alguma coisa semelhante às manifestações de 2013? Começaram como um movimento contra o aumento da passagem de ônibus, manifestações por causa dos 20 centavos, e acabaram se tornando um movimento gigantesco, semelhante à Primavera Árabe, que aconteceu nos países árabes, ao Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e ao Los Indignados, na Espanha. No Brasil, as organizações que apoiam Lula têm capacidade técnica e articulação política para fazer grandes manifestações. Porém, a possibilidade de acontecer o processo de propagação viral dos eventos, como aconteceu com a Manifestação dos 20 centavos, é pouco provável, porque existe uma diferença fundamental entre os dois episódios: nas manifestações de 2013, existia um consenso nacional ao redor do preço das passagens dos ônibus, que funcionou como pontapé inicial, eu fui testemunha dessa história, fazendo reportagens no meio dos manifestantes  em Porto Alegre. No caso de Lula, não existe esse consenso, o país está dividido. Mais uma pergunta: a prisão de Lula pode reforçar a avalanche de abstenções, votos nulos e brancos que é esperada na eleição de 2018?  É uma possibilidade. Agora se esse reforço vai tumultuar as eleições, é outra questão. E o que é essa outra questão?

Para responder essa pergunta, precisamos olhar para dentro da história política de Lula. Os construtores da figura política de Lula, os sindicatos progressistas, os movimentos sociais e  pastorais têm uma longa tradição de resolver os conflitos de classe com a negociação de pautas concretas: saúde, educação, transporte, moradia e programas de renda para famílias carentes. Esse perfil de negociador de conflitos é reconhecido pelos adversários ideológicos do ex-presidente. Um deles, e o que considero de grande relevância, o general Golbery do Couto e Silva (falecido em 1987), um dos principais teóricos da doutrina de segurança nacional e  construtor e figura de proa do golpe militar de 1964, falou, e seus amigos registraram, que Lula não era um inimigo feroz do capitalismo, como vinha sendo descrito pela esquerda. Mas um negociador de porta de fábrica. Ouvi essa definição de Golbery sobre Lula em 2010, do general Newton Cruz, figura importante no governo militar e, depois, na política dos anos 1980. A conversa foi no Rio de Janeiro. Fez parte de uma reportagem e do livro Os Infiltrados – Eles Eram os Olhos e os Ouvidos da Ditadura, que publiquei em parceria com os repórteres Carlos Etchichury, Humberto Trezzi e Nilson Mariano. Também ouvi da boca de grandes empresários nacionais e europeus uma definição sobre o ex-presidente, semelhante à de Golbery. Ouvi isso naquelas conversas que se tem com o entrevistado depois da entrevista e que os conteúdos vão para as entrelinhas da reportagem. Aqui chegamos ao xis da história. Se a prisão de Lula der inicio ao desmantelamento das forças que o construíram, os sindicatos progressistas e os movimentos sociais e  pastorais, o Brasil perderá uma força de negociação de conflitos sociais muito importante. Sem eles, uma simples greve pode se tornar um grande problema nacional. É bom lembrar que os programas populares de moradia, a reforma agrária e outros benefícios para as classes de baixa renda existem por causa dos negociadores. Esses programas evitaram muitos conflitos. Se esses negociadores saírem de cena, quem irá ocupar o lugar deles? A esse respeito, a história nos ensina que o lugar será ocupado pelos demagogos.

No nosso cotidiano de repórter, aprendemos que a política não pode ser comparada com uma operação matemática exata. Ela é a arte de fazer alianças para chegar ao poder. Daí vem a máxima: o amigo de hoje pode ser o inimigo de amanhã. No caso de Lula, nós temos que mostrar ao nosso leitor o lado dos construtores do político Lula. Uma curiosidade. Há um filme, chamado Grande Demais para Quebrar, que é sobre um grupo de grandes empresas do setor financeiro dos Estados Unidos, durante a crise econômica de 2008, que quase quebrou o país. O filme é baseado em fatos reais e mostra como os negociadores da crise convenceram a todos que, caso deixassem quebrar as empresas, o país mergulharia em uma crise jamais vista. Em qualquer canto do mundo, o negociador é fundamental para os problemas serem resolvidos. Por que não seria no Brasil?

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