Enquanto os militares substituem civis no governo, quem cuida das fronteiras?

Lagoa de Itaipu na fronteira do Brasil com o Paraguai: um dos lugares mais violentos da América do Sul. Foto: EBC

Os inimigos do Brasil não são os exércitos de Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia e muitos menos dos outros países que fazem fronteira com o território nacional. O inimigo agora é outro, como diz o título do filme Tropa de Elite 2. Sãos as organizações criminosas alojadas nesses países que estão transformando o território brasileiro em uma passagem para drogas vendidas nos quatro cantos do mundo, em especial na Europa. O Brasil de amanhã é o México de hoje, onde os cartéis formados por bandidos que compram a cocaína dos colombianos e vendem para os varejistas americanos dão as cartas na política, na segurança pública e na economia. O que as Forças Armadas brasileiras estão fazendo para evitar que cheguemos a essa situação? O que se sabe é que os militares estão com um pepino nas mãos chamado governo Jair Bolsonaro (sem partido), um capitão reformado do Exército que vive a fantasia de que seria apoiado pelas Forças Armadas caso tentasse um golpe de Estado. O Brasil vive uma situação surrealista. Mas os nossos problemas de fronteira são reais.

Há pelo menos duas décadas organizações criminosas brasileiras, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, se estabeleceram nas cidades paraguaias da fronteira. No início operavam com a mesma estrutura de uma quadrilha. Mas aos poucos foram evoluindo e hoje se assemelham a organizações paramilitares. Compram cocaína da Colômbia, Peru e Bolívia e estocam em fazendas no interior do Paraguai. No nordeste paraguaio, em uma vasta área de terras no Departamento de San Pedro, eles financiam agricultores no cultivo da maconha. Além de homens e mulheres treinados no uso de vários tipos de armas modernas e potentes, a maioria vinda dos Estados Unidos, essas organizações têm uma rede de informantes muito boa infiltrada nas forças policiais. Ao norte do Paraguai, na fronteira do Brasil com a Colômbia, há uma disputa entre o PCC e a facção Famílias do Norte (FDN), a maior organização criminosa do Amazonas. A FDN é aliada de vários cartéis de droga colombianos, como o Oficina de Envigado e os dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que fez um acordo de paz com o governo em 2016. Ao sul do Paraguai, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina e o Uruguai, grupos armados controlam o fluxo de cigarros paraguaios que chegam pelo território brasileiro. E o contrabando de munições e remédios para o Brasil.

Além disso tudo ainda existe a possibilidade de ocorrer um somatório de todos os medos: o estabelecimento na fronteira do Paraguai das milícias cariocas. Por que o medo? Ao contrário de outras organizações criminosas, as milícias são formadas por policiais militares que têm acesso às redes de informações oficiais. Um dos focos da minha carreira de repórter é o crime organizado nas fronteiras. E nas últimas três décadas tenho acompanhado a evolução desses grupos criminosos. A Polícia Federal (PF) não tem como enfrentá-los por carência de pessoal, equipamentos e principalmente de um serviço de inteligência eficientemente implantado nessas regiões. Há parcerias na troca de informações entre a PF e as polícias dos países vizinhos e a Drug Enforcement Administration (DEA), o órgão de combate às drogas dos Estados Unidos. Essas parcerias, no entanto, são insuficientes perante a grandiosidade dos problemas de segurança pública criados para os brasileiros nas fronteiras por essas organizações paramilitares. A última vez que as autoridades brasileiras se organizaram e fizeram frente a ameaça foi durante a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas do Rio (2016). Houve uma aliança entre as Forças Armadas e as policiais (Militar, Civil e PF) do Brasil que montaram um sistema de segurança muito eficiente.

O que estou escrevendo não é opinião. Estou relatando fatos e o conteúdo de longas conversas que venho tendo nos últimos meses com colegas repórteres de outros países especializados em questões de fronteira. Uma varredura pelos conteúdos que publicamos diariamente nos noticiários dão conta do envolvimento das Forças Armadas nos assuntos dos civis, como é o caso do general Eduardo Pazuello, que ocupa o cargo de ministro da Saúde em plena emergência sanitária provocada pela Covid-19, doença que já que matou mais de 120 mil brasileiros. No total, hoje (09/09) há 6.157 militares, sendo 3.029 da ativa, espalhados pela máquina administrativa do governo federal. O que nos leva à seguinte pergunta. Os militares da ativa não estão fazendo falta nas suas unidades? Qual é hoje o cotidiano de oficiais e graduados de carreira nas Forças Armadas? Não é só problema do Brasil. Os militares ao redor do mundo foram treinados para um tipo de guerra que não existe mais. São raros os casos que um exército estrangeiro tenta ocupar outro país. Nós repórteres precisamos investir mais e descobrir para que tipo de combate as tropas estão sendo treinadas. Para começo de conversa.

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