Existe um ou dois mandantes no caso do desaparecimento da contadora em Palmeira?

Jovem diz que foi contratado para matar a contadora. Foto: Polícia Civil

Com inteligência, muita habilidade e organização, o autor do desaparecimento da contadora Sandra Maria Lovis Trentin, 48 anos, vem brincando de gato e rato com os investigadores da Polícia Civil de Palmeira das Missões. Até agora, ele tem tido sucesso. Tem conseguido desorientar os investigadores com informações falsas espalhadas,  divulgadas como se fossem verdades entre os moradores da região e com vestígios inventados implantados na cena do crime. Isso tem tirado o foco da investigação e gastado um tempo precioso. O manual da Academia de Polícia Civil diz que as primeiras 72 horas são fundamentais para esclarecer um desaparecimento. Depois disso, a cada dia que passa, o caso vai ficando mais difícil de ser resolvido. Na manhã do dia 30, ela saiu de casa, dirigindo uma caminhonete Ranger, em Boa Vista as Missões, município agrícola de 2,2 mil habitantes a 30 quilômetros de Palmeira. Estacionou o veículo na  Rua Rio Branco, próximo à esquina com a República, nos arredores do 35 CTG , na área central de Palmeira, um dos centros comerciais e políticos do Norte do Estado. Na semana passada, o seu marido, com quem tem três dos quatro filhos, o presidente da Câmera dos Vereadores de Boa Vista, Paulo Ivan Landfeldt (PSDB), foi preso preventivamente, acusado de ser o mandante do desaparecimento. Com ele, foi encarcerado um jovem de 22 anos, que afirmou ter sido pago pelo vereador para dar sumiço na contadora. Ele disse que a matou com dois tiros na cabeça e desovou o corpo nas barrancas do Rio Uruguai, em Vicente Dutra, município agrícola na região de Frederico Westphalen, centro comercial regional a 100 quilômetros ao norte de Palmeira. O jovem levou duas vezes a polícia ao local que apontou como sendo o da desova do corpo, e nada foi encontrado. Na quarta-feira, com a ajuda de bombeiros, os policiais fizeram novas buscas nas barrancas do Uruguai e não acharam nada.

Vamos voltar ao ponto zero da investigação para explicar ao nosso leitor como é o jogo de gato e rato. Essa estratégia de contar a história é uma tecnologia que o repórter investigativo aprende com o tempo. Daí é importante que os repórteres novatos prestem atenção. Vamos lá. As evidências até agora do caso mostram que tem um autor, um mandante. O marido preso é suspeito de ser o mandante. Por um momento, vamos esquecer do vereador preso. Vamos nos focar no que existe de concreto no desaparecimento da contadora. Existem os objetos que foram encontrados na cabine da Ranger: a bolsa dela. Dentro da bolsa, estavam os chips e o cartão de memória do celular. Mas o telefone celular e a carteira de motorista tinham desaparecido. Ela usava uma sapatilha para dirigir. Um dos pés foi encontrado próximo aos pedais do carro, e o outro, atrás do banco do motorista. A regulagem do banco do motorista estava quebrada, e havia papéis do escritório dela espalhados por dentro do veiculo. A polícia mostrou a foto da contadora para uma moradora próxima ao local onde a caminhoneta estava estacionada que a reconheceu como sendo a mulher que viu em pé, próxima à porta do veículo.

É opinião da polícia que o cenário encontrado dentro da caminhoneta foi “ajeitado”.  Nas primeiras duas semanas, os investigadores acreditavam que o cenário tinha sido montado para camuflar a fuga da contadora.  E o motivo pelo qual ela estaria fugindo é porque havia cometido um erro em um lançamento contábil na escrita de um dos seus mais importantes clientes. Esse erro resultou em uma multa de R$ 2 milhões. A história do erro foi confirmada para a polícia pelo dono da empresa. A empresa está recorrendo da multa e tem boas chances de vencer.

 No depoimento do empresário, também ficou claro que a contadora não se apropriou de dinheiro da empresa. Apenas cometeu um erro contábil. Faz parte da rotina do contador cometer erros. Por que ela fugiria? Não tem sentido. Foi a essa conclusão que os investigadores chegaram depois de duas semanas de trabalho.  Aqui é o seguinte: os indícios mostravam o caminho da fuga para a investigação. Nesse caso não tem como o investigador não esclarecer.

Portanto, quem ajeitou a cena do crime na cabine da Ranger e espalhou o boato de que ela estava abalada com o erro cometido na contabilidade do seu maior cliente conseguiu fazer a polícia apostar em uma linha de investigação que não deu em nada.  Com o enfraquecimento dessa linha de investigação, os policiais voltaram a seguir o manual da Academia de Polícia. Lá está escrito que, quando acontece um crime envolvendo um casal, o sobrevivente é o principal suspeito. Já no início da investigação, os familiares da contadora tinham alertado os investigadores sobre as constantes brigas do casal. Inclusive circulava um boato de que durante uma briga, ela teria dito que iria contar os “podres do marido”. Os investigadores descobrem uma troca de mensagens entre o vereador e o jovem de 22 anos. Os dois são presos, e o rapaz confessa que matou a contadora com dois tiros na cabeça a mando do marido. Leva polícia no local onde teria desovado o carpo e não encontra nada.  Faz mais de dez dias que os investigadores tentam encontrar o corpo seguindo as orientações do jovem preso.

Aqui temos que informar ao nosso leitor do seguinte. Os investigadores policiais são vitimas dos manipuladores que tentam esconder os seus crimes espalhando pistas falsas porque os resultados das perícias – identificação de digital, rastreamento de deslocamento de celular, exames de DNA e quebra de sigilo bancário e telefônico – levam semanas para ficarem prontos. Sem esses resultados para orientar a investigação,  ela fica vulnerável aos boatos.  Há duas perguntas que os investigadores do caso estão tentando responder. A primeira:  se o marido foi o mandante, ele organizou tudo sozinho?  A segunda pergunta é se o marido é inocente, então quem é o mandante. Nas duas perguntas, aparecem uma segunda pessoa como mandante. A polícia já sabe quem é ele? Se os investigadores já sabem quem é, chegou a vez de o rato correr atrás do gato.

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