O capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSL – RJ) foi eleito para presidente do Brasil. Não para dono do Brasil. A cerimônia de posse do novo presidente é um evento que pertence ao povo brasileiro. Não é uma oportunidade de o eleito fazer uma demonstração pública de malcriado com o povo de países que mantêm relações diplomáticas, comerciais e de boa vizinhança com os brasileiros, como foi o caso do que aconteceu com Venezuela e Cuba. O povo brasileiro, o cubano e o venezuelano não têm nada a ver a briga ideológica entre Bolsonaro, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente de Cuba, Miguel Diáz-Camel.
A posse não é a ocasião para se tratar desse assunto. A pessoa que me chamou a atenção para esse viés da solenidade do novo presidente da República foi um empresário médio do interior gaúcho que trabalha no setor de vendas de implementos agrícolas com clientes em vários países, incluindo Cuba e Venezuela. Nós nos conhecemos nos anos 1980, quando eu fazia reportagens sobre as ocupações de terra feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Era no tempo da carta. Ele as mandava para mim, defendendo o liberalismo econômico, entre outras coisas. Acabamos ficando amigos. Mas não perdi a oportunidade de cutucá-lo no caso da posse: “Viu? Tu votou nele kkk”. Aqui quero refletir com os meus colegas repórteres, em especial com os jovens. Em 40 anos de trabalho, a maior parte deles envolvidos em viagens na cobertura de conflitos ou investigações complicadas, eu sempre dei um grande valor para fontes de informações ligadas ao setor de vendas. Por qual motivo? Simples. Por tratar com vendas, elas são muito bem informadas sobre a realidade dos seus clientes: concorrentes, economia e política das regiões onde vendem seus produtos. Sabem como as coisas acontecem. O que para nós, repórteres, é importante para não escrevermos bobagens ditas por fontes oficiais.
Lembro que, meses depois de Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP), maior adversário ideológico do presidente eleito, tomar posse, em 2003, eu estava em Cuba. Foi a convite de um conglomerado de uma empresa multinacional inglesa do setor de fumo que tem várias filiais no Brasil. Eles driblaram o bloqueio americano a Cuba usando as filiais brasileiras para fechar negócios com as empresas de tabaco cubanas, principalmente as de charutos. Encontrei lá várias outras empresas brasileiras, como as do setor de carrocerias de ônibus. No interior da Venezuela, existem projetos agrícolas que são tocados por empresas brasileiras. Mais ainda: vivem de maneira clandestina em terras venezuelanas mais de 1,5 mil garimpeiros brasileiros explorando minerais, principalmente ouro na área dos índios ianomâmis – fronteira com Roraima. Estive várias vezes na região, a primeira foi em 1993, quando os garimpeiros mataram dezenas de indígenas, e a última vez foi em 2005. Bolsonaro segue o seu líder, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, uma pessoa exótica que usa o seu cargo para fazer bagunça ao redor do mundo. Como disse um amigo do setor de vendas: “O Trump pode se dar ao luxo de escolher para quem vender e comprar, eles são ricos. Nós, não.”
Deixando de lado a questão econômica. A diplomacia brasileira tem uma longa tradição de civilidade. Mesmo no tempo do Regime Militar (1964 a 1985), a grosseria nunca foi uma marca dos diplomatas. Portanto, causa espanto a naturalidade com que as redações noticiaram o desaforo feito por Bolsonaro ao povo venezuelano e ao povo cubano. Ele teve a oportunidade de não convidar. Não o fez. Se foi um ato intencional ou pura desorganização do grupo político do presidente eleito, nós nunca vamos saber. O que interessa para nós, repórteres, é a maneira desaforada que foi desconvidar os dois países. O que Bolsonaro fez foi uma provocação barata para China e Rússia, que mantêm relações ideológicas com Cuba e Venezuela e são duas grandes clientes do Brasil em produtos do agronegócio, de proteína animal produzida pela agricultura familiar e de máquinas agrícolas. O presidente eleito está brincado de “roleta russa”.